Summary: | A natureza é o lugar onde reside o silêncio da poesia. Alcançá-lo, é ser poeta por algum modo e reconhecer que por aí, essencialmente, podemos habitar o mundo. Cada homem é irrecusavelmente poeta, como único modo de suportar o real, fazendo do simples acto de viver a primeira obra poética. Uns, são-no plenamente e tanto, que passaram a sê-lo em permanência. Outros, só fugazmente lhe acedem. Nenhum, porém, dispensa a poesia. Cada um escolhe o percurso onde mais se encontra e por onde melhor participa no mundo. Todos os caminhos, por fim, irão dar à poesia. Escolhemos este, o da paisagem, porque nela se acolhe parte do grande silêncio. Os poetas, aqueles que o são em permanência, dizem-nos que só pela afeição a podemos atingir. Na paisagem encontramo-nos, e encontramos tudo: vida, amor, saudade, razão, sentido. E todos os caminhos que foram dar à poesia, vão encontrar-se também na paisagem, origem e terminação natural do homem. Assim, compreender a paisagem por uma aproximação afectiva, é compreender o homem também, porque ambos, homem e paisagem se compreendem em consubstanciação, ou, não se compreendem nunca.Experimentámos e perscrutámos a paisagem. Encontrámos alguns princípios espaciais, elementares e poéticos e como princípios os enunciamos nesta dissertação, formulando uma poética da paisagem. Temo-los como uma verdade mas sabemos que estes mesmos princípios podem pertencer a outras verdades, consoante cada homem medite a paisagem. Por eles estabelecemos e enunciamos a Poética como uma atitude, desejando aprofundar aquilo que move o homem ao encontro da paisagem, ainda antes do fazer da obra, seja ela a arte, a técnica ou o cultivo dos campos. Pretendemos também encontrar a porquê e a para quê do seu estar na paisagem, a partir do qual, terá então lugar com primeira obra criativa o Puro acto de viver. Estes princípios só são compreensíveis tomados na sua relação próxima, carecendo de significado quando isolados dos outros que os completam. Porque essencialmente poéticos, pertencendo à intimidade da alma, e da natureza, são móveis, mutáveis e mesmo revolucionáveis. A emoção, toma-os por modos diferentes na intimidade humana, em cada momento e em cada paisagem vivida também. E se, viver, é já uma emoção poética e obra criativa, no particular fazer de cada ser humano, então é imponderável a ordem dos princípios escolhidos. Sabemos de alguma constância, de algum historicidade na poética, enquanto doutrina que rege o imaginário, mas sabemos também que este mesmo imaginário se apodera do impensável e do inimaginável, indiferente ao tempo histórico, a princípios e a regras. A dado momento, não importa já o tempo na sua passagem. A poética que rege o homem de Altamira, D. Diniz ou Bachelard, é a mesma. Salomão e Florbela cantaram exactamente o mesma amor. Amen6fis IV e Bernardim, possuem ambos a mesma bucolismo transparente. Em qualquer deles, algo de muito romântico encontramos antecipando-se ao Romantismo. A Natureza tem um só tempo, e os homens são a Banem. Momentos há desse tempo e desse homem em que mais predomina a guerra, ou a virtude, ou a filosofia. Ou é Deus que a preocupa, ou a descoberta do Cosmos, ou a Economia. Ou então a Ciência. - Nas o tempo da paisagem, o tempo do homem a olhar pela alma que flui e reflui, é um só. Uma simultaneidade de duas experiências originou esta dissertação: a experiência da paisagem e o ensino do desenho. Elas determinaram uma procura, na intimidade dos dois domínios, unificando-se por fim sob o encontro poético. Desta reunião desenvolve-se o estudo aqui apresentado, e que em boa parte irá retornar à sua origem, como contribuição quer para una, quer para outra experiência. No primeiro Volume reunimos os princípios a que chegámos, constituindo a teorização de uma experiência iniciada há cerca de dez anos atrás. Procurámos uma ordem que se assemelha cronologicamente à própria experiência, expondo no primeiro e segundo Capítulos respectivamente a Ideia de Paisagem e das Paisagens e o Sentimento. Definimos assim o campo onde depois abordamos a Poética e por último, no Capítulo IV, propriamente a Poética da Paisagem, como uma exercitação dos princípios anteriormente enunciados. 0 segundo Volume, a que chamámos "A Experiência da Paisagen" apresenta, abreviada e cronologicamente uma vivência progressivamente interiorizada e interrogativa. Periodicamente remetemos a leitura do primeiro Volume para determinados pontos desta experiência que se nos afiguraram fundamentais. Evitámos, contudo, o recurso sistemático a este processo, porque nos pareceu prejudicial a uma leitura contínua, que ficaria excessivamente interrompida.
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