Resumo: | O presente trabalho teve como principal objectivo estudar a evolução espacial e temporal da poluição por TBT na costa portuguesa, utilizando o gastrópode Nassarius reticulatus como espécie indicadora. A avaliação dos níveis de poluição por TBT foi principalmente realizada com base na medição do grau de masculinização das fêmeas de N. reticulatus (imposex) para vários locais e datas de amostragem, dado que o imposex é um biomarcador específico da contaminação por TBT. Para avaliar a real dimensão deste problema em Portugal, foi efectuado o levantamento dos níveis de imposex ao longo de toda a costa continental Portuguesa, incluindo os principais sistemas estuarinos e algumas zonas da plataforma continental adjacente até à profundidade de 34 m. Tornou-se evidente que N. reticulatus é uma espécie indicadora de elevado valor dado que é abundante e tem uma ampla distribuição na costa continental portuguesa, apresentando, para além disso, uma sensibilidade adequada para descrever os gradientes de poluição existentes em toda a área de estudo. Outras espécies de nassarídeos foram também amostradas ao longo da costa, nomeadamente, Nassarius pygmaeus, Nassarius nitidus e Nassarius incrassatus. Verificou-se que estas espécies são pouco abundantes, tendo apenas sido possível colher um número suficiente de espécimes de N. incrassatus em alguns locais da costa Portuguesa para o estudo de imposex. Constatou-se que esta espécie indicadora é menos sensível do que N. reticulatus para avaliação dos actuais níveis de poluição por TBT, sendo menos adequada para utilização em programas de monitorização nesta costa. O levantamento de imposex de N. reticulatus ao longo da linha de costa em 2006 mostrou que os níveis de poluição por TBT, de uma forma geral, são elevados e representam um risco efectivo para os ecossistemas marinhos, sendo este problema mais grave em locais situados no interior ou na proximidade das zonas portuárias. De facto, em cerca de 95% dos locais amostrados N. reticulatus apresentou níveis de imposex (VDSI > 0,3) que indicam concentrações ambientais de TBT acima do valor de referência definido pela OSPAR (“Environmental Assessment Criteria”), a partir do qual podem ocorrer impactos negativos para algumas espécies sensíveis no ecossistema. Foi também realizado o levantamento de imposex de N. reticulatus em zonas mais profundas da plataforma continental da região de Aveiro, entre 2004 e 2006, bem como das regiões de Lisboa, Setúbal e Faro, em 2006. Verificou-se que os níveis de imposex e de contaminação por TBT nos tecidos destes gastrópodes estão correlacionados e decrescem com o afastamento às zonas portuárias, as quais constituem a principal fonte de contaminação nestas áreas de estudo. Apesar da distância aos portos e da dispersão do TBT nas grandes massas de água existentes nestas zonas, estas encontram se consideravelmente afectadas pela poluição por TBT. De facto, foram observados valores de imposex com VDSI > 0,3 em vários locais de amostragem, bem como níveis de concentração relevantes de TBT nos tecidos. Estudou-se a evolução dos níveis de imposex de N. reticulatus ao longo dos últimos anos para avaliar se ocorreu recentemente alguma alteração da poluição por TBT na costa Portuguesa. Os níveis de imposex registados em 2006 na linha de costa foram comparados com dados obtidos por outros autores na mesma área de estudo em 2000 e 2003. Os resultados demonstraram que ocorreu uma redução dos níveis de imposex entre 2003 e 2006, mas o mesmo não sucedeu entre 2000 e 2003. Registou-se igualmente uma diminuição do imposex de N. reticulatus na plataforma adjacente a Aveiro entre 2004 e 2006 ou entre 2005 e 2006. A principal causa desta evolução foi, muito provavelmente, a entrada em vigor em Julho de 2003 do regulamento EC/782/2003 que proíbe a aplicação de tintas com TBT (ou outros organoestanhos) em qualquer tipo de embarcação. Contudo, torna-se necessário acompanhar por mais tempo a evolução do quadro actual, para o qual os dados obtidos neste trabalho constituem uma base de referência fundamental. Este aspecto é muito importante dado que entrou em vigor em Setembro de 2008 a Convenção Internacional sobre o Controlo da Utilização de Sistemas Antivegetativos Nocivos em Embarcações, aprovado pela IMO (Organização Marítima Internacional), que impõe uma proibição global da navegação de navios com tintas antivegetativas contendo TBT (ou outros organoestanhos). Face à proibição da utilização de organoestanhos nas tintas antivegetativas e à sua substituição por outros biocidas, nomeadamente os compostos de cobre, levantou-se a suspeita de que os níveis deste metal nos ecossistemas marinhos podiam aumentar. Para avaliar se realmente tem havido um aumento deste metal no ambiente, fez-se um levantamento do grau de contaminação dos sedimentos por TBT e por cobre ao longo da costa em 2006 e compararam-se estes valores com os registados em amostras de sedimentos conservadas obtidas para os mesmos locais em 2000. Os resultados demonstraram que não existem diferenças significativas nos níveis de TBT e de cobre entre aqueles dois anos. Considerando que a poluição por TBT tem vindo a diminuir na costa Portuguesa, a manutenção dos níveis de contaminação nos sedimentos sugere que estes possam actuar como reservatório de TBT a longo prazo. Os resultados indicam também que os níveis de TBT e de cobre neste compartimento estão significativamente correlacionados; este facto pode sugerir que ambos têm uma fonte de contaminação comum (tintas antivegetativas), todavia esta relação poderá também dever-se apenas a uma coincidência geográfica de várias fontes de contaminação. Os níveis de cobre também foram analisados nos tecidos de N. reticulatus para determinar se este gastrópode poderia ser utilizado como bioindicador da contaminação por cobre. Os resultados demonstraram que não existe correlação significativa entre as concentrações de cobre nos tecidos de N. reticulatus e as concentrações daquele metal nos sedimentos. Conclui-se então que, ao contrário do TBT, as concentrações de cobre nos tecidos de N. reticulatus não reflectem as concentrações ambientais e, consequentemente, este gastrópode poderá não ser um indicador adequado da contaminação por este metal. Apesar de na literatura estar amplamente comprovado que o imposex em populações naturais de N. reticulatus constitui um efeito específico da contaminação por TBT, neste trabalho avaliou-se, com base em dados de campo, se o parasitismo por tremátodes poderia induzir ou influenciar a expressão do imposex. Esta foi a principal lacuna de conhecimento identificada no que diz respeito à validação deste biomarcador para biomonitorização desta poluição. De facto, o parasitismo por tremátodes ocorre com frequência nos gastrópodes mas raramente é considerado nos estudos de disrupção endócrina, e nunca este aspecto foi estudado em N. reticulatus. Verificou-se que este parasitismo é comum em N. reticulatus ao longo da costa Portuguesa, tendo sido identificadas seis espécies de tremátodes parasitas: Cardiocephalus longicollis, Cercaria sevillana – a cercária de Gynaetotyla longiintestinata, Diphtherostomum brusinae, Himasthla quissetensis, Lepocreadium album e uma cercária desconhecida, pertencente à família Zoogonidae. Comprovou-se que algumas destas espécies infectam o complexo glândula digestiva/gónada e podem provocar a castração dos animais, podendo ter um impacto importante na dinâmica populacional deste gastrópode. Verificou-se, ainda, que não havia diferenças entre os níveis de imposex expressos pelas fêmeas parasitadas e não parasitadas, levando à conclusão que o parasitismo não tem influência na expressão do imposex. Contudo, nos machos, o parasitismo tem um efeito redutor no tamanho do pénis. Esta observação vem reforçar a prática corrente de não se utilizarem animais visivelmente parasitados em estudos de imposex.
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