Summary: | A morte e o seu caráter disruptivo têm sido alvo do interesse de académicos e investigadores, quer na sua vertente antropológica, quer do ponto de vista histórico, sociológico e cultural. O tema assume também grande relevância do ponto de vista das narrativas mediáticas, pelo que o trabalho aqui apresentado partiu da ideia da noticiabilidade da morte e visou aprofundar a cobertura do tema nos meios de comunicação social. Do ponto de vista da noticiabilidade, a proeminência das personalidades envolvidas no acontecimento é outro dos fatores que pesa na escolha do que pode ou não ser notícia. Assim, aliámos a questão da morte e da notoriedade e propusemo-nos analisar a cobertura da morte de 20 personalidades públicas em três jornais diários portugueses. Escrutinámos, pois, o tratamento mediático que foi feito da morte de António de Oliveira Salazar, Fernando Pascoal das Neves, Francisco Sá Carneiro, Joaquim Agostinho, António Variações, José Afonso, Carlos Paião, Miguel Torga, Beatriz Costa, António de Spínola, Vítor Baptista, Amália Rodrigues, Sophia de Mello Breyner, Álvaro Cunhal, José Megre, Raul Solnado, José Saramago, António Feio, Angélico Vieira e Eusébio da Silva Ferreira. Primeiramente olhámos a morte enquanto fenómeno, de uma perspetiva multidisciplinar, focando a questão do tabu e dos rituais a ela associados. Seguiu-se uma abordagem da morte do ponto de vista dos meios de comunicação social, atendendo às questões da tabloidização, espetacularização e ligações entre a morte, figuras públicas e meios de comunicação social. Procurámos, pois, aprofundar as diferentes categorias das figuras públicas e a influência que os media têm na construção dessas personalidades. Partimos, depois, para a análise caso a caso, culminando numa série de considerações que vão ao encontro das mudanças e evoluções do setor mediático nos últimos 40 anos e apontam algumas tendências que emergem do tratamento que cada jornal deu a cada um dos casos. A questão da espetacularização da informação e o predomínio da emoção nas narrativas mais atuais foi uma das principais tendências detetadas no âmbito deste estudo. Concomitantemente, conseguimos identificar um paralelo entre a ritualidade presente no trabalho do antropólogo Van Gennep e a forma como os jornais constroem o luto coletivo. A exposição dos cadáveres nos primeiros casos aqui analisados permitiu-nos um entendimento mais amplo da dualidade entre o tabu e a curiosidade que coexistem nas atitudes perante a morte. Simultaneamente compreendemos que o ruído pode afetar a noticiabilidade e que, em alguns casos, o acontecimento não é recuperado pelo jornal, mas, em outros casos, a personalidade é retomada aquando das efemérides da sua morte e revalorizada pelo media. A morte enquanto disrupção e alteração no curso da vida é tanto mais mediatizada quanto maior foi o estatuto da personalidade que faleceu. Este estudo aponta não só no sentido da evolução das formas de tratamento dessa disrupção, como também invoca alguns mecanismos identificados nos jornais, concomitantes com a hiperconcorrência e com o fenómeno da pós-verdade.
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