Resumo: | A vigilância da gripe em Portugal através do Programa Nacional de Vigilância da Gripe permite monitorizar, descrever a atividade gripal, detetar e identificar os vírus da gripe em circulação. O programa integra as componentes de vigilância clínica e laboratorial. A componente clínica possibilita o cálculo de taxas de incidência permitindo descrever a intensidade e evolução da epidemia no tempo. A componente virológica e laboratorial tem por base o diagnóstico laboratorial do vírus da gripe o que permite identificar e caraterizar os vírus da gripe em circulação em cada inverno. Durante o inverno 2017/2018, foi observada uma atividade gripal de intensidade baixa a moderada. O período epidémico ocorreu entre a semana 52/2017 (dezembro) e a semana 7/2018 (fevereiro) e o valor mais elevado da taxa de incidência semanal de síndrome gripal (78,8/105) ocorreu em dezembro, na semana 52/2017. O vírus da gripe foi detetado em co-circulação com os outros vírus respiratórios. O vírus da gripe do tipo B/Yamagata foi o predominante, tal como o observado nos restantes países europeus. Em Portugal foi identificado em 57,4% dos casos de gripe confirmados laboratorialmente. Foram também detetados em circulação, com menor frequência, os vírus da gripe A(H1)pdm09, A(H3) e B/Victoria. A caracterização genética demonstrou que os vírus B/Yamagata pertenciam ao clade 3 (representado pela estirpe vacinal B/Phuket/30173/2013) e os vírus B/Victoria pertenciam ao clade 1A (representados pela estirpe vacinal B/Brisbane/60/2008, presente na vacina trivalente 2017/2018). Cinco dos vírus B/Victoria pertenciam ao novo subgrupo, que se distingue da estirpe vacinal de 2017/2018, apresentando uma deleção dos aminoácidos 162-163 no gene da hemaglutinina. Este novo grupo surgiu em 2015/2016 e atualmente foi já detetado a nível mundial. Os vírus da gripe A(H3) continuam a apresentar uma grande diversidade genética. Na época 2017/2018 os vírus deste subtipo agruparam-se em 2 subgrupos genéticos: 3C.2a1b (A/England/74560298/2017) e 3C.2a2 (A/Norway/4465/2016). Os vírus A(H1)pdm09 pertenciam ao clade 6B.1, semelhantes à estirpe vacinal A/Michigan/45/2015. A avaliação da resistência aos antivirais inibidores da neuraminidase, revelou uma susceptibilidade normal dos vírus influenza A e B ao oseltamivir e zanamivir, com excepção de um vírus do tipo B/Yamagata que apresentou uma redução da susceptibilidade a ambos os inibidores da neuraminidase. Os vírus da gripe com diminuição da susceptibilidade aos antivirais foram detetados esporadicamente a nível europeu e mundial. A percentagem mais elevada de casos de gripe foi verificada nos indivíduos com idade inferior a 15 anos, no entanto devido ao número mais reduzido de casos estudados nesta faixa etária esta informação deverá ser analisada com cuidado. A nível hospitalar, a maior percentagem de casos de gripe foi também detetada no grupo das crianças entre os 5 e os 14 anos. Foi nos doentes com idade superior a 65 anos que se verificou a mais elevada taxa de internamento hospitalar e em unidades de cuidados intensivos. A febre, as cefaleias e a tosse foram os sintomas mais frequentemente associados a casos de gripe confirmados laboratorialmente. Foram estudados os grupos de risco para a maior gravidade da infeção pelo vírus da gripe: doentes crónicos e as mulheres grávidas. Foi nos doentes com obesidade, diabetes e com doença cardiovascular que se observou a maior proporção de casos de gripe confirmada laboratorialmente, seguindose dos indivíduos com doença respiratória crónica e imunodeficiência congénita ou adquirida. A proporção de casos de infeção pelo vírus da gripe foi similar nas mulheres grávidas e nas mulheres do mesmo grupo etário não grávidas. A vacina como a principal forma de prevenção da gripe é fortemente recomendada para pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, doentes crónicos e imunodeprimidos, grávidas e profissionais de saúde. A vacinação foi reportada em 17,1% dos casos notificados, valor idêntico ao observado na época 2016/2017. A deteção do vírus da gripe ocorreu em 33,6% dos casos vacinados e sujeitos a diagnóstico laboratorial. A confirmação de gripe em indivíduos vacinados poderá estar relacionada com uma moderada efetividade da vacina antigripal. A pesquisa de outros vírus respiratórios nos casos de SG negativos para o vírus da gripe, veio revelar a circulação e o envolvimento de outros agentes virais respiratórios em casos de SG. Os vírus respiratórios foram detetados durante todo o período de vigilância da gripe, entre a semana 38/2017 e a semana 7/2018. O rinovírus e o coronavírus humano foram os mais frequentemente detetados. A deteção de vírus respiratórios atingiu proporções mais elevadas nas crianças até aos 4 anos e entre os 5-14 anos de idade. As infeções por dois ou mais agentes virais foram detetadas com baixa frequência. A Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe, efetuou o diagnóstico da gripe em 13885 casos de infeção respiratória tendo sido o vírus influenza detetado em 3722 destes casos. Em 55% dos casos de gripe foi detetado o vírus influenza B. Os vírus da gripe A(H3), A(H1)pdm09 e A (não subtipados) foram detetados em 14%, 12% e 19% dos casos de gripe, respetivamente. Em 1909 casos de infeção respiratória foram identificados outros vírus respiratórios sendo o RSV, os picornavírus (hRV, hEV e picornavírus) e os hMPV os mais frequentes e em co-circulação com o vírus da gripe. A grande maioria destes casos foi identificada nas crianças com idade inferior a 4 anos. Durante a época de gripe 2017/2018 observou-se um excesso de mortalidade por todas as causas entre as semanas 52/2017 e 9/2018 de cerca de 3,714 óbitos (15 % superior em relação ao esperado). Este excesso foi observado em ambos os sexos, a partir dos 65 anos de idade, em especial acima dos 85 anos. As regiões do Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo foram aquelas em que se observaram excessos de mortalidade mais elevado. Durante toda a época, estimaram-se cerca de 3.700 atribuíveis à epidemia de gripe. Noutros países europeus foi igualmente observado um excesso de mortalidade por todas as causas, possivelmente atribuível à epidemia de gripe e à vaga de frio que se fez sentir na europa durante o mês de fevereiro. Na época 2017/2018 participaram na vigilância da gripe em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) 33 UCI pertencentes a 24 hospitais. Durante a época foram reportados 220 casos de gripe. Verificou-se um aumento apreciável da proporção de casos de gripe admitidos em UCI entre as semanas 51 de 2017 e 01 de 2018, em que foi atingido o valor máximo (7,6%). A partir daí o valor decresceu, com algumas flutuações, aproximando-se progressivamente da linha de base até à semana 17 (0%), onde se manteve até ao final da época. Os vírus tipo A e B circularam em proporções semelhantes, tendo sido subtipadas 32,5% das amostras. Mais de metade dos doentes (56%) tinha idade superior a 65 anos, 88% dos quais com doença crónica, sendo a patologia cardiovascular reportada em 44%. A proporção de vacinados contra a gripe sazonal foi de 14% dos doentes, menos de metade do observado na época anterior. Foi prescrito oseltamivir a 92% dos doentes, 74% necessitaram de ventilação mecânica invasiva e 8% teve suporte de oxigenação por membrana extracorporal. O diagnóstico de gripe foi confirmado no próprio dia da admissão em UCI, em 52 % dos casos, sendo já conhecido previamente à admissão, em 21% dos casos. A duração da hospitalização foi inferior a 9 dias em cerca de metade dos doentes com alta para o domicílio e inferior a 8 dias para cerca de metade dos óbitos. A taxa de letalidade foi estimada em 26%, valor semelhante ao das três épocas anteriores. Este sistema de vigilância da gripe sazonal em UCI poderá ser aperfeiçoado nas próximas épocas, reduzindo a subnotificação e melhorando o preenchimento dos campos necessários ao estudo da doença. A época de vigilância da gripe 2017/2018 foi em muitas características comparável ao descrito na maioria dos países europeus. A situação em Portugal destacou-se pelo início do período epidémico mais tardio relativamente ao inverno anterior, mas de duração igualmente prolongada. De forma semelhante aos restantes países europeus o vírus da gripe predominante foi do tipo B/Yamagata associado a uma intensidade da epidemia baixa a moderada. Verificou-se um excesso de mortalidade por todas as causas, essencialmente no grupo dos indivíduos mais fragilizados e com idade acima dos 85 anos. O conhecimento das características da epidemia da gripe, do seu desenvolvimento e dos vírus da gripe circulantes são essenciais para a implementação de medidas de prevenção e de controlo da doença em cada inverno.
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