Summary: | Os esforços de investigação empreendidos nas últimas décadas no domínio das avaliações externas das aprendizagens dos alunos mostram que é difícil estabelecer relações de causa e efeito, ou mesmo estabelecer correlações significativas, entre os sistemas de exames e a melhoria da qualidade dos sistemas educativos. Apesar disso, na generalidade dos países do mundo e por uma diversidade de razões (e.g., políticas, ideológicas, culturais, simbólicas), as avaliações externas sempre desempenharam e continuam a desempenhar um papel significativo nas políticas públicas de educação. Talvez porque a teoria que fundamenta a sua utilização para reformar e melhorar os sistemas educativos seja persuasiva, convincente e politicamente poderosa. E isto porque, em geral, há uma predisposição quase natural por parte das sociedades para associarem as avaliações externas à exigência, ao rigor e, em última análise, à garantia de qualidade dos sistemas de ensino. Talvez porque, numa diversidade de setores das sociedades, inclusive no académico, se considere que os sistemas de avaliação externa apresentam vantagens que podem compensar as suas reconhecidas desvantagens. Mas também porque tais sistemas são mais baratos do que os que investem deliberada e abertamente em programas sistemáticos de apoio e de formação às escolas e aos professores. Seria ingénuo considerar-se que, em si mesmas, as avaliações externas são boas ou são más. De facto, a utilização que delas se faz, assim como os seus propósitos e as suas relações com as avaliações internas e com o currículo, é que, em muito boa medida, poderão determinar o seu real significado e o seu real impacto, nomeadamente no que se refere à melhoria dos sistemas educativos. Ou seja, no que se refere às suas relações com a melhoria da qualidade do ensino dos professores e das aprendizagens das crianças e dos jovens. * Instituto de Educação, Universidade de Lisboa Introdução 290 Estado da Educação 2014 Seria igualmente ingénuo pensar-se que as avaliações internas, da responsabilidade exclusiva dos professores e das escolas, são, por si sós, a garantia da qualidade que se almeja para os sistemas educativos. Portugal é, a este propósito, um excelente exemplo de que as avaliações internas, por si próprias, não são a panaceia que permite melhorar a educação e a formação dos estudantes. Na verdade, durante largos anos a avaliação interna predominou (e ainda predomina) fortemente no nosso sistema educativo, chegando a ser exclusiva em todo o ensino básico, e nem por isso deixámos de ter taxas de retenção sem qualquer paralelo no contexto europeu (Fernandes, 2007, 2009). Ou seja, supostamente, os alunos não aprendiam o que era suposto que aprendessem. Note-se que ainda hoje, apesar da introdução de exames nacionais a Matemática e a Língua Portuguesa nos anos terminais de cada um dos três ciclos do ensino básico, a avaliação interna ainda é claramente predominante no nosso sistema de ensino. Como é óbvio, não é qualquer avaliação interna que permite apoiar os alunos nos seus processos de aprendizagem e a investigação tem mostrado dificuldades das escolas e dos professores para desenvolverem práticas de avaliação consistentes com aquele propósito fundamental; a ação política, por seu lado, não tem, em geral, sido orientada para ajudar a superar tais dificuldades. Além do mais, são igualmente conhecidos outros problemas relacionados com as avaliações internas, como é o caso da sua consistência, da sua validade e da sua própria credibilidade (e.g., Black e Wiliam, 2006; Stobart, 2006). No que se refere às avaliações externas, como se verá mais adiante, há também problemas bem identificados que podem questionar a credibilidade que, em geral, lhe é atribuída pela sociedade. A ideia de que podemos ter melhores sistemas educativos, isto é, onde todos os estudantes possam aprender melhor e com mais significado, continua a orientar os esforços de investigadores, professores e outros profissionais da educação e da formação. Mas também os esforços de agentes políticos, de governantes e de uma grande diversidade de organizações/ instituições e de cidadãos indiferenciados. E essa ideia traz normalmente associada a existência de sistemas de avaliação externa, mais ou menos preponderantes, mais ou menos articulados com a avaliação interna, mais ou menos decisivos para o progresso académico dos estudantes. A questão que se poderá formular, apesar de todas as reconhecidas dificuldades, é a de saber se é possível termos sistemas de avaliação externa que contribuam para que todos os alunos possam aprender mais e, sobretudo, melhor, com mais significado. Associada a esta questão surgem normalmente muitas outras tais como a de saber se é possível termos sistemas de avaliação externa que não excluam certos grupos, com determinadas caraterísticas sociais e económicas ou outras, e se as avaliações externas podem integrar sistemas mais inteligentes, que as articulem melhor com as avaliações internas. Foi a partir das considerações acima explicitadas que organizei este trabalho, explorando teoricamente a possibilidade da complementaridade das avaliações internas e externas e produzindo reflexões e recomendações para que estas últimas possam ser mais adequadas e mais relacionadas com a melhoria das aprendizagens dos estudantes e da qualidade dos sistemas educativos.
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