Summary: | RESUMO:Na DG, existe uma associação contínua entre a hiperglicémia materna e os resultados perinatais adversos (Metzger et al., 2008). A minimização dos mesmos implica a otimização do controlo metabólico (Hartling et al. 2013). Na prática clínica atual, isto passa pela aferição das intervenções, como a modificação do estilo de vida ou a terapêutica farmacológica, ao perfil de glicémias capilares diário auto-determinado, de forma a atingir os alvos recomendados (Langer et al., 1989, 1991; De Veciana et al., 1995). A vigilância baseada nas glicémias capilares permite um controlo estrito. Facilita também a compreensão da relação com as refeições, eventos e atividade física. No entanto, reflete apenas a glicémia instantânea, que é susceptível a fatores como as emoções ou a dieta. Não é informativa no que diz respeito a valores crónicos ou médios. Além disso, a dor e inconveniência associadas às múltiplas punções capilares diárias resultam frequentemente numa má adesão. Os indicadores de glicémia podem auferir informação distinta, adicional. O marcador tradicional na Diabetes Mellitus (DM) é a hemoglobina glicada (HbA1c). O seu lugar na abordagem das mulheres grávidas com DM tipo 1 e tipo 2 já está estabelecido (Endocrine Society - ES, 2013; Organização Mundial de Saúde - OMS, 2013a; International Federation of Gynecology and Obstetrics - FIGO, 2015; Sociedade Portuguesa de Diabetologia- SPD, 2016; American College of Obstetrics and Gynecology - ACOG, 2018; American Diabetes Association - ADA, 2018; National Institute of Care and Excellence - NICE 2018). A sua utilidade clínica na DG, porém, é controversa. Além das limitações conhecidas e transversais (como é o caso da interpretação em situações de hemoglobinopatias ou de semi-vida alterada dos eritrócitos), tem particularidades que podem constituir uma restrição à sua utilização na gravidez. Por exemplo, traduz a concentração média de glicémia de um período de tempo longo (um a quatro meses), se atendermos a que a gravidez se trata de um estado dinâmico com uma resistência periférica à ação da insulina rapidamente progressiva. É também afetada pelos estados de ferropénia, tão frequentes na gestação. Existem outros biomarcadores, não tradicionais, que têm características que os tornam alternativas interessantes como indicadores de glicémia na DG. A albumina glicada é informativa da glicémia média nas duas a três semanas anteriores à sua determinação. Não é influenciada pela anemia da hemodiluição ou pelos estados de carência de ferro. A sua aplicação atual limita-se às situações em que se sabe que o valor da HbA1c não é fidedigno. É superior ao marcador tradicional a prever complicações cardiovasculares, internamentos e morte na população diabética sob hemodiálise. Não tem intervalos de referência amplamente reconhecidos na gravidez. A frutosamina reflete a concentração média da glicose nas duas a quatro semanas que a antecedem. Não se altera consoante as características da hemoglobina e tem uma determinação analítica tecnicamente simples, rápida, precisa e barata. À semelhança da albumina glicada, atualmente utiliza-se apenas nas populações em se sabe que a HbA1c não é um bom biomarcador. Já mostrou associação a complicações microvasculares, macrovasculares e mortalidade em diabéticos com insuficiência renal crónica sujeitos a hemodiálise. Há pouca evidência disponível da sua utilidade na gravidez. O principal objetivo desta investigação foi esclarecer se, na DG, existe uma associação entre a HbA1c, a albumina glicada e a frutosamina das grávidas e desfechos perinatais negativos. Para isso, acompanhámos uma coorte de 100 mulheres com gravidez unifetal e DG e sua descendência até à oitava semana de puerpério. Num primeiro estudo (n=82 grávidas), analisámos a importância destes marcadores determinados no mês que antecedeu o parto, na variabilidade do peso dos recém-nascidos e se, individualmente ou em conjunto, foram preditores do status de grandes para a idade gestacional. No segundo estudo (n=85 grávidas) explorámos se existe relação com as seguintes complicações neonatais: disfunção respiratória, hipoglicémia, hipocalcémia, policitémia, hiperbilirrubinémia, miocardiopatia hipertrófica e internamentos na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais. Em modelos de regressão linear, concluímos que todos os biomarcadores estudados se associaram ao peso dos recém-nascidos. Para cada unidade adicional de albumina glicada, 20 unidades de frutosamina, ou unidade de HbA1c, existiu um aumento médio do peso dos recémnascidos de 76,08 g (p<0,001), de 69,66 g (p<0,001), e de 456,53 (p<0,001), respetivamente. Os modelos desenvolvidos que incluíram a frutosamina e a albumina glicada tiveram um desempenho semelhante (R2 =0,62 e R2 =0,61, respetivamente), e superior ao da HbA1c (R2 =0,58). Estudámos posteriormente se existia um valor aditivo dos biomarcadores alternativos em relação à HbA1c, visto que este último é o indicador tradicional. Efetivamente, os melhores modelos foram aqueles em que se adicionava a albumina glicada ou a frutosamina ao modelo de base com as variáveis clínicas e a HbA1c (R2 =0,67 para o modelo clínico com HbA1c e albumina glicada e R2 =0,66 para o modelo clínico com HbA1c e frutosamina). Em modelos de regressão logística, todos os biomarcadores se associaram a recém-nascidos grandes para a idade gestacional. Para cada unidade adicional de albumina glicada, acréscimo de 20 unidades de frutosamina ou de uma unidade de HbA1c existiu um aumento na possibilidade de ter um recém-nascido grande para a idade gestacional de 61% (p<0,001), de 45% (p<0,001) ou quatro vezes superior (p=0,032), respetivamente. O modelo com melhor capacidade discriminativa para identificar recém-nascidos grandes para a idade gestacional foi aquele que incluiu a albumina glicada (AUC 0,81), seguido pelo da frutosamina (AUC 0,79) e só depois pelo da HbA1c (AUC 0,71). Apenas a albumina glicada e a frutosamina foram preditivas do nascimento de recémnascidos com disfunção respiratória. Por cada aumento de uma unidade de albumina glicada e de 20 unidades de frutosamina existiu um aumento da possibilidade de 41% (p=0,004) e de 26% (p=0,014) de ter um recém-nascido com disfunção respiratória. A capacidade discriminativa da albumina glicada para este desfecho foi superior à da frutosamina (AUC 0,83 e 0,81, respetivamente) e ambas foram superiores à da HbA1c (AUC 0,76). Ao contrário do que sucedeu com a HbA1c, a albumina glicada e a frutosamina associaram- -se ao nascimento de um filho com pelo menos uma complicação neonatal. Por cada unidade adicional de albumina glicada e por cada acréscimo de 20 unidades de frutosamina, existiu um aumento de 33% (p=0,015) e de 24% (p=0,027), respetivamente, na possibilidade de ter um recém-nascido com pelo menos uma complicação. O modelo com albumina glicada foi o que obteve AUC mais elevada, seguido pelo da frutosamina e depois pelo da HbA1c (AUC de 0,82; 0,81 e 0,79; respetivamente). Na nossa coorte, os biomarcadores estudados não foram significativamente diferentes entre as mulheres com recém-nascidos com e sem hipoglicémia, hipocalcémia, policitémia e hiperbilirrubinémia neonatais, miocardiopatia hipertrófica ou que necessitaram de internamento na Unidade de Cuidados Intensivos. Concluímos que a albumina glicada e a frutosamina parecem ser superiores à HbA1c como marcadores de algumas complicações perinatais nos filhos de mulheres com DG. Os nossos estudos foram unicêntricos e de pequenas dimensões. Além disso, não foram contempladas medidas adicionais de crescimento fetal e de adiposidade, que podem relacionar-se melhor com os biomarcadores do que apenas o peso dos recém-nascidos. Não foi ainda recolhida informação relativa ao perfil lipídico das mulheres, que pode também influenciar o peso dos recém- -nascidos. São necessários mais estudos de maior dimensão para comprovar os nossos achados. A confirmarem-se, tanto a albumina glicada como a frutosamina podem vir a ser ferramentas clínicas importantes na abordagem da DG.
|