Resumo: | Ao focar em três obras em prosa de Natália Correia, o presente estudo propõe examinar as representações monstruosas da mulher nestes textos, a fim de matizar a nossa compreensão da atitude da autora face ao feminismo e à emancipação da mulher. O ensaio começa por estabelecer um eixo teórico central, baseando-se em particular nos conceitos de abjecção e do monstruoso-feminino desenvolvidos por Julia Kristeva e Barbara Creed, respectivamente. The Great Mother de Erich Neumann é outra referência fundamental, fornecendo uma esquematização de diversas figuras mitológicas femininas. A Madona (1968), romance que se desenrola sobre o pano de fundo da crise sócio-moral despertada pela bomba atómica, é estruturado pela narrativa arquetípica da viagem iniciática. A protagonista deve confrontar a sua própria monstruosidade e superá-la, antes de poder integrar uma união sexual e espiritual com o seu complemento masculino e reinstaurar a ordem cósmica. Os três contos de A Ilha de Circe (1983) encenam uma série de conflitos intergeracionais que desestabilizam a narrativa salvífica apresentada em A Madona, recorrendo à simbologia da bruxa e, mais especialmente, à figura ambígua da feiticeira Circe. Em As Núpcias (1992), último romance de Natália Correia, um casal de irmãos incestuosos reinterpreta o mito de Ísis e Osíris, e tenta alcançar um novo plano espiritual e transcendente. Todavia, ao articular vários níveis narrativos e simbólicos, o texto desacredita subtilmente a sua busca. Deste modo, torna-se claro que, de acordo com a visão essencialista da autora relativamente à diferença sexual, estes textos ficcionais implicam que as mulheres só poderão deixar de ser vistas como monstruosas numa sociedade espiritualmente equilibrada em que as qualidades particulares da mulher sejam tão valorizadas como as do homem. No entanto, ao seguir a cronologia destas obras, parece que a possibilidade de atingir esta nova era é colocada cada vez mais em causa.
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