Resumo: | O estudo da relação entre o trabalho e a saúde implica uma correcta identificação dos factores ocupacionais em jogo, bem como das suas repercussões, positivas ou negativas, sobre os trabalhadores. Para tal, é indispensável a realização de estudos práticos incidindo sobre os contextos reais de trabalho, identificando nestes as principais condicionantes do risco ocupacional. Entre os vários factores de risco ocupacional tem particular importância a exposição a níveis de pressão sonora elevados, dada a sua frequência em ambientes industriais. A exposição ocupacional ao ruído tem sido bastante estudada ao longo dos anos constituindo, não obstante, uma das principais causas de doença profissional, a hipoacusia sonotraumática, a qual abrange, segundo dados oficiais, cerca de 25% dos trabalhadores com incapacidade. A exposição ao ruído tem inúmeras consequências, quer sobre o aparelho auditivo, cuja respectiva incapacidade está legalmente reconhecida, quer sobre outros aspectos da saúde do trabalhador, nomeadamente a nível psicológico. Pese embora o vasto conjunto de publicações sobre a exposição ocupacional ao ruído, a análise da percepção individual do trabalhador e as implicações desta sobre o seu comportamento, constitui ainda um tema pouco abordado. Pela observação das práticas reais de trabalho, verifica-se que os trabalhadores, mesmo desempenhando idênticas funções em locais comuns, têm concepções diferentes dos riscos a que estão expostos. No caso da exposição ocupacional ao ruído, essas discrepâncias são ainda mais evidentes. Assim, é frequente encontrarmos trabalhadores partilhando o mesmo posto de trabalho, contudo, divergindo sobre a forma como encaram o risco de exposição ao ruído, ou quando muito, a forma como pensam que este os afecta. Estas mesmas diferenças são notadas ao nível da utilização da protecção individual auditiva. Embora existam várias abordagens quanto à compreensão do fenómeno comportamental, no tocante à exposição ao ruído, estas carecem de análises quantitativas de factores centrais, tais como, os níveis de pressão sonora a que os trabalhadores estão expostos e as perdas auditivas que estes apresentam. O presente estudo – tendo incidido sobre uma amostra de 516 trabalhadores de empresas industriais, expostos a níveis de pressão sonora superiores ao nível de acção preconizado na legislação nacional (85 dB(A)) – pretende analisar a relação entre a percepção individual do risco e a utilização de protecção individual auditiva, bem como, entre a primeira e o desenvolvimento de perdas auditivas decorrentes da exposição ocupacional ao ruído. Para o efeito, foram desenvolvidos dois modelos conceptuais, com base na revisão bibliográfica efectuada. Tendo em vista a caracterização da exposição de cada trabalhador da amostra, foi efectuado um levantamento dos níveis de exposição pessoal diária. Considerando a revisão bibliográfica, foi desenvolvido um questionário para avaliação das variáveis de natureza essencialmente qualitativa, nomeadamente, a percepção individual do risco, a percepção dos efeitos do ruído, a expectativa/valorização dos resultados, a cultura de segurança e o comportamento de risco. Simultaneamente foi administrado um questionário com o objectivo de se caracterizar o tipo de exposição ocupacional ao ruído, bem como, a utilização da protecção individual auditiva. Para quantificação da variável referente às perdas auditivas foram utilizados os resultados dos testes audiométricos realizados aos trabalhadores no início do turno de trabalho. A análise estatística dos resultados obtidos, por utilização de técnicas estatísticas de análise multivariada (path analysis), sugere que a percepção individual do risco e outros factores com ela relacionados, constitui uma componente critica do comportamento dos trabalhadores. Por este motivo, a percepção do risco deverá ser tida em consideração no planeamento, desenvolvimento e implementação dos programas de conservação da audição, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento de planos formativos. Relativamente ao desenvolvimento de perdas auditivas, verifica-se que, para além dos factores de risco bem conhecidos, tais como a idade, os níveis de pressão sonora e a duração da exposição, as variáveis cognitivas referentes à percepção individual do risco e da percepção dos efeitos associados à exposição têm também um efeito significativo sobre a variável em análise.
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