Resumo: | Este trabalho de síntese constitui a primeira parte de uma obra mais vasta, dedicada ao sistema político tradicional das populações do Noroeste de Angola, na qual abordaremos, igualmente, os emblemas dos chefes e alguns aspectos etno-morfológicos e estéticos de uma insígnia particular: o bastão (mvwala). A escolha desta temática não foi meramente arbitrária, mas resultou da necessidade de completarmos e aprofundarmos a discussão dos resultados do trabalho de campo realizado entre os Ndembu durante os anos de 1972 e 1973. Todo o passado do Noroeste angolano foi dominado pelo desenvolvimento e queda do Estado Kongo e, por isso, o estudo de qualquer população dessa vasta região pressupõe o conhecimento da evolução do "Reino de São Salvador". Por outro lado, não é possível abordar a problemática das insígnias dos chefes sem saber o que é um chefe Kongo, em que sistema político se insere e de que poderes disfruta. Porém, o Kongo do século XVIII não era igual àquele que os portugueses contactaram, pela primeira vez, no século XV, e a situação presente é o resultado de um complexo e fascinante processo histórico. Assim, se o âmbito do nosso trabalho é especialmente limitado pela área de influência da cultura conguesa, no tempo, ele percorre um caminho que vai do século XV aos nossos dias. Contudo, a nossa intenção não é reconhecer exaustivamente a realidade Kongo, tarefa impossível para os ombros de um só investigador, mas determinar somente as características fundamentais da sua organização política. Esta tarefa pareceu-nos indispensável para uma cabal compreensão do quadro sócio-político do Noroeste de Angola e, em última análise, para situar o Estado Kongo na tipologia dos Estados Negro-Africanos. Afim de prosseguirmos este projecto de investigação, definimos previamente vários problemas, em torno dos quais procurámos desenvolver o nosso trabalho. Recorremos para isso à riquíssima documentação histórica disponível, às tradições orais registadas, e aos estudos históricos e etnológicos. No caso específico dos Ndembu, utilizámos dados recolhidos durante os trabalhos de campo. Visto globalmente, todo este manancial de fontes apresenta-se crivado de lacunas. Os documentos escritos, apesar de abundantes e, por vezes ricos de conteúdo, estão muito longe de cobrir todos os aspectos da realidade, distribuem-se de forma desigual ao longo do tempo e relacionam-se com regiões particulares dentro da área, o que torna controversa a generalização do respectivo conteúdo. Além disso, foram elaborados em grande parte por Missionários e têm de ser encarados criticamente. Quanto às tradições orais, pouco ou nada se sabe dos locais e circunstâncias em que foram recolhidas, o que torna a sua utilização sempre problemática. Os historiadores, ligados ou não à Antropologia Cultural, têm produzido trabalhos de excepcional mérito, mas as suas perspectivas são diferentes e até contraditórias. Quase se pode afirmar que há tantos "reinos" Kongo quanto os historiadores. No domínio etnológico existem boas monografias, muito embora grande número de sociedades esteja ainda por estudar. [...]
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