Resumo: | RESUMO: Introdução A insuficiência cardíaca crónica é conhecida como síndrome complexa, associada a elevada mortalidade e incapacidade, envolvendo múltiplos mecanismos fisiopatológicos, neuro-hormonais, endoteliais e inflamatórios. Além da terapêutica médica optimizada, a terapêutica não farmacológica, como a ressincronização cardíaca e o treino de exercício, assume um papel fundamental. Na insuficiência cardíaca avançada, doentes com critérios para terapêutica de ressincronização cardíaca (CRT) têm sido exaustivamente estudados, apesar da maioria dos estudos não se ter dedicado à diversidade de efeitos e mecanismos fisiopatológicos envolvidos, nos doentes mais gravemente sintomáticos. Nesta população com insuficiência cardíaca avançada tratada com CRT, estudos relativos aos efeitos e mecanismos do treino de exercício, especificamente exercício intervalado de alta intensidade, são ainda poucos e de pequena dimensão. Hipótese Hpótese principal formulada: Existe benefício em associar um programa de treino de exercício de alta intensidade, de longa duração, após ressincronização cardíaca em doentes com insuficiência cardíaca avançada. Hipótese secundária: 2 Estão envolvidos vários mecanismos fisiopatológicos, contribuindo diferentemente para o benefício do treino de exercício após CRT e para o benefício de CRT sem programa de exercício subsequente, em doentes com insuficiência cardíaca avançada. Objectivos O objectivo primário desta tese foi determinar os efeitos do programa de exercício intervalado de alta intensidade (HIIT), de longa duração, sobre a classe funcional clínica, qualidade de vida, capacidade funcional de exercício, função cardíaca e remodelagem ventricular, em doentes com insuficiência cardíaca avançada após implante do ressincronizador. O objectivo secundário pretendeu avaliar o papel potencial de diferentes mecanismos fisiopatológicos nos benefícios do treino de exercício após CRT, HIIT, e após CRT sem exercício subsequente: função endotelial, função do sistema nervoso autónomo, processo inflamatório e apoptose. Metodologia Efectuámos um ensaio controlado aleatorizado para determinar os efeitos da intervenção de exercício, HIIT, em doentes com insuficiência cardíaca avançada após CRT. Os critérios de inclusão foram, doentes com insuficiência cardíaca estável, em classe III-IV (NYHA), sob terapêutica farmacológica optimizada, referenciados para CRT pelas recomendações actuais presentes, etiologia isquémica e não isquémica, com idade superior a 18 anos. Os critérios de exclusão incluiram insuficiência cardíaca instável, doença ortopédica ou muscular incapacitante para exercício e residência geograficamente distante do hospital. Os doentes que preencheram os critérios de inclusão foram aleatorizados para treino de exercício intervalado de alta intensidade ou para grupo controlo (EXTG e CG, respectivamente). 3 A aleatorização, realizada por um investigador independente, foi estratificada, baseada na idade (<65 ou >65 anos), sexo, etiologia (isquémica e não isquémica) e gravidade de disfunção ventricular esquerda (fracção de ejecção ventricular esquerda <20 ou >20%). Os doentes com os mesmos critérios de inclusão, que não aceitaram a intervenção exercício ou que viviam longe, sem os restantes critérios de exclusão, foram adicionalmente estudados como cohort prospectivo para avaliação dos efeitos e mecanismos da intervenção CRT. Durante o periodo de Janeiro 2012 a Março 2015, todos os doentes com insuficiência cardíaca e critérios para ressincronização cardíaca elegíveis foram estudados. O programa de treino de exercício foi iniciado 1 mês após implante de cardioressincronizador e durou 6 meses com frequência bissemanal, consistindo em sessões de 60 minutos, realizadas no hospital, monitorizadas e supervisionadas. Incluiu treino aeróbio intervalado de alta intensidade (HIIT), adaptado a partir do protocolo de Wisloff, e exercícios de resistência, flexibilidade e coordenação. Os momentos do estudo usados para avaliação das variáveis independentes foram: momento basal, pré implante do ressincronizador (M1), aos 3 meses após exercício, correspondendo a 4 meses após implante (M2) e aos 6 meses após exercício, correspondendo a 7 meses após implante (M3). As variáveis dependentes estudadas foram: classe functional clínica (NYHA), scores de qualidade de vida (questionário HeartQol), parâmetros de função cardíaca e remodelagem reversa (determinadas por ecocardiografia e doseamento plasmático de péptido natriurético, BNP), de capacidade funcional de exercício (determinadas por prova de esforço cardio-respiratória, CPT), de função do sistema nervoso autonómico, SNA (por cintigrafia cardíaca com 123I-MIBG, prova de esforço cardio-respiratória e análise da variabilidade da frequência cardíaca no Holter-24 horas), de função endotelial e rigidez arterial (determinada por doseamento de NO, óxido nítrico, e por PAT, tonometria arterial periférica), marcadores de inflamação e apoptose (medição de proteína C reactiva de alta sensibilidade, hs-CPR, factor de necrose tumoral alfa, TNF-α, interleucina-6, IL-6, fracção solúvel do cluster de diferenciação 40, sCD40, fracção solúvel do ligando Fas, sFasL) e frequência de eventos major cardiovasculares aos 6 meses de exercício. 4 As excepções aos 3 momentos de avaliação foram: 123I-MIBG cintigrafia cardíaca, realizada antes do CRT (M1) e aos 6 meses de exercício (M3), análise de variabilidade da frequência cardíaca por estudo Holter-24horas, realizado apenas basal, pre-CRT (M1) e frequência de eventos, avaliada em M3. A segurança do treino de exercício HIIT foi avaliada. A resposta ecocardiográfica foi definida pelo aumento de pelo menos 5% da fracção de ejecção ventricular esquerda (LVEF), em valor absoluto e a resposta clínica como melhoria de pelo menos 1 classe funcional clínica (NYHA). A resposta funcional foi definida como o aumento de pelo menos 1 ml/kg/min de VO2p. Resultados A partir de um cohort inicial de 121 doentes com insuficiência cardíaca selecionados para CRT, foram aleatorizados 62 doentes. Realizaram programa de treino de exercício HIIT, 22 doentes (EXTG), idade média 67,5±9,8%, 22,7% do sexo feminino, 40% isquémicos, LVEF basal 26,68±6,21%, enquanto 28 doentes foram incluídos no grupo controlo (CG). As características demográficas e clínicas basais foram idênticas estatisticamente. No grupo aleatorizado (n=50), todos os doentes tiveram benefício significativo, aos 6 meses após início do exercício, relativamente a: diminuição da classe clínica de NYHA (p <0,001), melhoria do score de qualidade de vida HeartQol (p <0,001), aumento da LVEF, fracção de ejecção ventricular esquerda (p <0,005), diminuição dos volumes ventriculares esquerdos, LVED, tele-diastólico (p < 0,05) e LVES, tele-sistólico (p <0,02). Verificou-se uma diferença significativa da classe funcional clínica (NYHA), nos dois grupos aleatorizados, com maior diminuição no EXTG (p=0,034). Apenas no EXTG, se encontrou um aumento significativo da duração da prova de esforço cardio-respiratória, aos 3 meses (p=0,017) e aos 6 meses (p=0,008). O tempo para o limiar anaeróbio, VAT, aumentou significativamente no EXTG aos 3 meses (p= 0,006) e aos 6 meses (p=0,004), sendo significativamente diferente do CG aos 3 meses (p=0,006) e apresentando uma tendência para significado estatístico aos 6 meses (p=0,064), momento em que a variação foi também significativa no CG. O TNF-α diminuiu significativamente apenas no EXTG, aos 6 meses (p=0,016), com uma diferença estatística significativa em relação ao 5 CG (p=0,008). Não se verificaram diferenças significativas nas variações dos parâmetros ecocardiográficos entre os dois grupos aleatorizados. Relativamente ao número de respondedores, no grupo de treino de exercício foram identificados mais respondedores clínicos (95%) e ecocardiográficos (81,8%) que no grupo controlo (78,5% e 72,7%, respectivamente), após 6 meses de exercício. A diferença no número de respondedores entre os 2 grupos aleatorizados, não atingiu contudo significado estatístico (provavelmente pela dimensão da amostra), mas com uma tendência para mais respondedores clínicos no grupo de exercício. A diferença no numero de respondedores funcionais, apesar de em numero tendencialmente superior no grupo de exercício (77,2%) não foi significativa. O programa HIIT mostrou ser seguro, sem eventos major ou minor durante o exercício. Aos 6 meses de exercício (7 meses após implantação do ressincronizador), registaram-se 9% de eventos no grupo exercício e 10,7% no grupo controlo. Verificou-se ocorrência de morte ou internamento hospitalar em 1/22 doentes (4,5%) do grupo de exercício e em 3/28 doentes (10,7%) do grupo controlo. A única morte nos doentes aleatorizados ocorreu no grupo controlo, 1/28 doentes (3,5%). No total do cohort de doentes com CRT verificou-se um benefício significativo após 7 meses de implantação: redução da classe funcional NYHA (p <0,001), aumento do score HeartQol (p <0,001), aumento da LVEF (p < 0,001), diminuição do volume tele-sistólico ventricular esquerdo (p=0,001), aumento do valor absoluto de GLS, strain global longitudinal, (p=0,003), relação E/e’, rácio entre onda E do fluxo de câmara de entrada do ventrículo esquerdo e e’ médio de doppler tecidular do anel mitral, (p=0,009), redução da massa ventricular esquerda (p=0,026), redução do VE/VCO2 slope, declive da razão entre ventilação minuto e produção de CO2, (p=0,003), aumento da duração do teste cardiopulmonar (p=0,002), aumento do tempo para VAT, limiar anaeróbio (p=0,001), redução do HRR1 (frequência cardíaca de recuperação ao primeiro minuto), (p=0,015), redução do HRR6 (frequência cardíaca de recuperação ao 6º minuto), (p=0,033) e aumento do VO2p, consumo de oxigénio pico, (p=0,04). Na amostra total dos doentes insuficientes cardíacos com CRT (incluindo 18% dos doentes submetidos a exercício) 75,6% foram respondedores clínicos, 63,9% respondedores ecocardiográficos e 62,8% respondedores funcionais. Os respondedores ecocardiográficos ao CRT tinham diferenças significativas nos parâmetros de base e na variação de alguns parâmetros: M1, menores volumes ventriculares esquerdos, maior TAPSE, maior SDNN (standard 6 deviation NN interval), maior heart-mediastinum ratio precoce (HMRe) e tardio (HMRl); M3-M1, maior aumento de LVEF, maior redução de volume LVES, maior aumento do valor absoluto de GLS e tendência para maior aumento de VO2p. Os respondedores tiveram menor número de eventos major registados em M3. Analizando todos os doentes com CRT, valores de 123MIBG HMRl>1,5 identificaram mais respondedores ecocardiográficos (probabilidade 2 vezes superior), apenas em não isquemicos. Os eventos aos 7 meses após CRT, M3, morte ou admissão hospitalar ou arritmia ocorreram em 14,8% da população total e em 16,1% dos doentes não submetidos a exercício.A morte ocorreu em 4,9% no grupo total e em 6% do grupo não submetido a exercício. Conclusão No presente ensaio aleatorizado e controlado, realizado numa amostra de doentes com insuficiência cardíaca avançada, referenciada para CRT, o exercício HIIT após implante do ressincronizador provou ser benéfico e seguro, associado a um maior número de respondedores ecocardiográficos e clínicos, acompanhado de uma melhoria clínica mais significativa, evidenciando o benefício adicional ao CRT. A melhoria do componente periférico da insuficiência cardíaca condicionada pelo exercício foi demonstrada pelo aumento significativo da capacidade funcional ao esforço e do tempo para VAT, acompanhada de maior número de respondedores funcionais, tendo-se verificado um efeito modulatório sobre a inflamação que poderá ter contribuído para este efeito. Não foram demonstrados benefícios do exercício na função endotelial, no sistema nervoso autonómico e na apoptose. Ocorreram menos eventos major aos 6 meses em doentes submetidos a HIIT. A avaliação adicional dos doentes com CRT no estudo observacional demonstrou melhoria clínica, de qualidade de vida e de função ventricular sistólica e diastólica significativa, mesmo excluindo aqueles que fizeram treino de exercício. O efeito central do CRT na remodelagem cardíaca demonstrou ser crucial, com melhoria das diversas variáveis ecocardiográficas. Contrariamente, não se demonstraram efeitos periféricos benéficos do CRT, VO2p, duração CPT ou tempo VAT, aos 7 meses, uma vez excluídos os 7 doentes que fizeram programa de exercício. O sistema nervoso autónomo demonstrou ser um mecanismo relevante na resposta ao CRT, mas apenas em insuficientes cardíacos não isquémicos. Não foram demonstrados efeitos benéficos do CRT na função endotelial, inflamação ou apoptose. Registaram-se mais eventos em doentes sem terapêutica de exercício. Dos resultados desta tese, que verificam as hipóteses colocadas, podemos salientar que em doentes com insuficiência cardíaca avançada a intervenção de treino de exercício intervalado de alta intensidade, supervisionado, , após implantação de ressincronizador cardíaco é uma terapêutica não farmacológica segura e tem benefício adicional demonstrado relativo à CRT, resultando em menor número de doentes não respondedores. Esta intervenção não teve efeito deletério sobre a remodelagem reversa e alguns resultados apontam para potencial benefício. Os mecanismos envolvidos estão ligados particularmente ao componente periférico da insuficiência cardíaca, resultando em diminuição da gravidade dos sintomas clínicos, melhoria da capacidade funcional e modulação positiva da resposta fisiopatológica inflamatória.
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