Resumo: | Northrop Fry em O código dos códigos defende que a Bíblia é o código por excelência da literatura ocidental. As Sagradas Escrituras oferecem, por conseguinte, um manancial de personagens e temas que terão influenciado ao longo dos séculos quer o pensamento filosófico quer as artes, transpondo os dogmas da fé judaico-cristã. Logo, os grandes mitos bíblicos da tradição cultural do Ocidente continuam a ser reutilizados pelos autores contemporâneos entre os quais incluímos José Luís Peixoto. Nenhum olhar é também um mosaico de diálogos intertextuais que transluzem as imagens e os valores veiculados pelas parábolas sagradas. A ideia de culpa, as histórias de traição e de castigo ou até questões relacionadas com a existência ou não de Deus reaparecem no romance galardoado com o prémio José Saramago. E essa aliança literária com o intertexto bíblico torna-se evidente na construção das personagens, nas referências espácio-temporais, na estrutura, no estilo e até na subordinação do universo feminino ao homem. No entanto, o que torna a análise comparativa aliciante é a conceção contemporânea que Nenhum olhar propõe dos episódios canonizados, na medida em que o intercâmbio intertextual não é somente um exercício de consonâncias semânticas e estruturais, mas também de dissemelhanças. Este romance é um exemplo da transfiguração dos mitos a partir dos quais o autor questiona a interferência de uma entidade suprema no percurso humano. José Luís Peixoto propõe com lirismo poético uma versão atual do universo bíblico quando humaniza as personagens mas extraindo-lhes a natureza divina e quando questiona a verdade emanada pelas Escrituras. Na verdade, Nenhum olhar expõe uma postura pessimista face ao destino do homem. Portanto, o objetivo desta dissertação é analisar os mecanismos literários que estabelecem um paralelo intertextual entre os livros bíblicos e Nenhum olhar e indicar, em simultâneo, os processos responsáveis pela sua singularidade narrativa de José Luís Peixoto.
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