A tutela dos direitos de propriedade industrial pelo enriquecimento sem causa

O presente trabalho tem por objecto uma reflexão sobre a tutela dos direitos de propriedade industrial pelo enriquecimento sem causa. Este instituto visa tutelar juridicamente os direitos de propriedade industrial, de modo a garantir a restituição de lucros indevidos obtidos pelo infractor, sob pena...

ver descrição completa

Detalhes bibliográficos
Autor principal: Ferreira, Maria Teresa Taborda Rosa (author)
Formato: masterThesis
Idioma:por
Publicado em: 2014
Assuntos:
Texto completo:http://hdl.handle.net/10451/11755
País:Portugal
Oai:oai:repositorio.ul.pt:10451/11755
Descrição
Resumo:O presente trabalho tem por objecto uma reflexão sobre a tutela dos direitos de propriedade industrial pelo enriquecimento sem causa. Este instituto visa tutelar juridicamente os direitos de propriedade industrial, de modo a garantir a restituição de lucros indevidos obtidos pelo infractor, sob pena de se fomentar um desinvestimento na pesquisa e inovação. A violação dos direitos de propriedade industrial importa prejuízos ao inventor e afecta o bom funcionamento do mercado, por isso deve ser assegurado àquele o benefício económico decorrente da sua criação. A reflexão efectuada, envolvendo uma análise económica do direito e o estudo de direito comparado, permitiu circunscrever a problematização do tema em torno da busca da resposta a duas questões principais: • É possível aplicar o instituto do enriquecimento sem causa aos direitos de propriedade industrial? • Qual é o objecto da restituição? A propriedade industrial tem por objecto a protecção legal de um conjunto específico de direitos sobre coisas incorpóreas: as criações ou inovações industriais e os sinais distintivos.A tutela dos direitos de propriedade industrial leva a uma ponderação dos interesses em confronto: um de carácter público, coincidente com a necessidade de incentivar o progresso económico e a utilização de direitos de propriedade industrial, e outro de carácter privado, correspondente à protecção do direito de exclusivo do titular do direito de propriedade industrial, que deverá resultar na prevalência do primeiro (público) face ao segundo (privado). Tal prevalência decorre de uma análise económica dos direitos de propriedade industrial, de acordo com a qual esta solução permite uma utilização económica racional, na medida em que existe uma maximização de resultados através da utilização de um menor número de recursos possíveis. Numa situação de litígio a nível internacional, a lei aplicável à obrigação extracontratual que decorra da violação de um direito de propriedade intelectual é, nostermos do artigo 8.º, n.º 1 ex vi do artigo 13.º do Regulamento (CE) n.º 864/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho (“Roma II”), a lei do país para o qual a protecção é reivindicada. Caso se trate de um direito de propriedade intelectual comunitário com carácter unitário, a lei aplicável será a do país em que a violação tenha sido cometida (artigo 8.º, n.º 2). A nível internacional, o Acordo TRIPS (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio) veio assegurar um nível mínimo de disciplina e tutela dos direitos de propriedade intelectual, referindo-se, no artigo 45.º, relativo às indemnizações, somente à compensação pelo prejuízo sofrido pelo titular do direito, o que leva a um afastamento do instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que a função deste instituto não é tutelar o prejudicado mas restabelecer a ordem patrimonial que foi perturbada. A ausência de previsão do enriquecimento sem causa no Acordo TRIPS não prejudica a aplicação deste instituto quando esteja em causa a possibilidade de recurso a esta acção num conflito a nível internacional. Em caso de conflitos internacionais, aplicar-se-á a lei “do país para a qual a protecção é reivindicada” (artigo 8.º, n.º 1 ex vi artigo 13.º “Regulamento Roma II”). Dado que o enriquecimento sem causa é uma das modalidades de tutela prevista pelos Estados membros, será, assim, possível recorrer a esta acção. Na União Europeia, em caso de conflito entre a livrecirculação de mercadorias e a protecção dos direitos de propriedade industrial, o Tratado tem vindo a dar preferência à segunda, garantindo que as restrições sejam justificadas e não constituam um meio de discriminação arbitrária. Perante a colisão do princípio da territorialidade dos direitos de propriedade industrial com a liberdade de circulação, na qual se baseia o mercado único, surgiu a necessidade de uniformizar, a nível europeu, os regimes destes direitos, através da aprovação de várias Directivas. O artigo 13.º da Directiva 2004/48/CE, que regula a matéria relativa a indemnizações por perdas e danos, encontra-se, assim, relacionado com a responsabilidade civil, porquanto prevê o pagamento de uma indemnização adequada ao prejuízo (no enriquecimento sem causa não há indemnização, mas uma restituição, nem prejuízo, mas um enriquecimento à custa de outrem). Todavia, é afirmado um princípio de adequação entre o dano e a indemnização que, ao prever a determinação do montante devido em função de, entre outros, os lucros indevidos obtidos pelo infractor (artigo13.º, n.º 1, al. a), permite englobar o enriquecimento sem causa. O alcance do objecto de restituição do enriquecimento, por sua vez, deverá resultar de uma interpretação restritiva da expressão utilizada no artigo 13.º, n.º 1, al. a), segundo a qual os lucros indevidos a restituir devem restringir-se ao montante que deveria ter sido pago caso o infractor tivesse sido autorizado a utilizar o direito de propriedade intelectual que violou, critério esse previsto no artigo 13.º, n.º 1, al. b). De uma análise do sistema legislativo alemão podemos retirar que, apesar de inicialmente ter sido rejeitada a possibilidade de aplicar o enriquecimento sem causa a direitos de propriedade industrial, a jurisprudência veio afirmar tal aplicação, considerando que o montante a restituir poderia consistir no lucro cessante demonstrado pelo titular do direito, no pagamento do valor que se fixaria, contratualmente, pela utilização do bem jurídico em causa, ou, ainda, na entrega do lucro obtido pelo agente que violou o direito alheio. Relativamente ao sistema espanhol, é possível retirar que é igualmente admitido o recurso ao enriquecimento sem causa como meio de tutela dos direitos de propriedade industrial, bem como a utilização do critério do pagamento do valor da licença, sendo que a Ley de Patentes Espanhola indica no artigo 66, n.º 2 um conjunto de factores a ter em consideração na determinação do montante dessa licença. Nos países anglo-saxónicos, o sistema da Common Law prevê, como os outros ordenamentos estudados, um método de restituição do enriquecimento com base na prestação do montante correspondente ao valor de uma licença de utilização, a royalty. Esta poderá ter por base uma percentagem variável em função do lucro obtido pelo interventor, devendo ser deduzidas quaisquer despesas realizadas pelo interventor na produção do bem que infringe o direito de propriedade industrial, e devendo, na determinação do lucro líquido obtido pelo infractor, ser tomada em consideração aquela parte do lucro que seja atribuível à infracção. A nível interno, o regime da propriedade industrial encontra-se previsto no artigo 1030.º do CC e no Código da Propriedade Industrial, que permite a aplicação subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa na tutela da propriedade industrial, por força do artigo 316.º CPI. Apesar da natureza subsidiária do enriquecimento sem causa (não poderá ser aplicado quando existir fundamento legal para recorrer a outro mecanismo, mas pode ser aplicada em conjunto com a responsabilidade civil quando esta não repara o enriquecimento do infractor que ultrapassa o dano do titular do direito), é possível aplicar este instituto, na modalidade de enriquecimento por intervenção, em casos de ingerência em direitos de propriedade industrial. Tanto a doutrina como a prática jurisprudencial portuguesas têm acolhido a aplicação do enriquecimento sem causa por intervenção no caso de ingerência em direitos de propriedade industrial, pois estes direitos têm um conteúdo de destinação que merecem a tutela conferida por este instituto. O montante correspondente à restituição do enriquecimento injustificado ao titular do direito deverá ser realizado sob forma de pagamento da remuneração adequada pela concessão de uma licença hipotética. Este montante deverá ter em consideração vários factores, nomeadamente, a aplicação de uma taxa variável em função do lucro obtido pelo interventor com a utilização indevida do direito, à qual terão sido abatidas quaisquer despesas que este tenha realizado na produção do bem, o montante normalmente praticado na concessão de outras licenças e a própria relevância económica que aquele direito tem no mercado à altura da infracção.A possibilidade de aplicação do regime do enriquecimento sem causa em casos de ingerência não autorizada em direitos de propriedade industrial tem vindo a ser reconhecida pela jurisprudência quer nos casos em que estejam em causa direitos sobre patentes (Acórdão do STJ de 03 de Abril de 1999, Processo n.º99B234), marcas (Acórdão do STJ de 03 de Novembro de 2009, Processo n.º 20/03.3TYLSB.S1.), logótipo, nome e insígnia de estabelecimento (Acórdão do STJ de 24 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 04B4601) e desenhos ou modelos industriais (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Outubro de 2009, Processo n.º 1000/03.4TBVRL.P1).