Summary: | A discussão e o pensamento sobre o currículo são empreendimentos ligados ao futuro e ao desiderato de influenciar ou desenhar os contornos desse futuro. Ao definir um currículo, o conjunto de aprendizagens que uma sociedade considera que os jovens precisam de adquirir num determinado momento (Roldão, 2009), estamos a intervir no presente dos jovens mas também a delinear o seu (e nosso) futuro. Há medida que as sociedades mudam, respostas anteriores mudam, e torna-se necessário retomar as questões, revisitar decisões, redirecionar ou confiar no percurso construído. A escola, como instituição social, é chamada a participar enquanto uma das ferramentas essenciais quer de desenho quer de concretização dos futuros desejados. Mas é importante não esquecer o papel específico da escola e não deixar de o considerar em articulação com outras instituições e instâncias. Fazê-lo permite-nos descartar mandatos impossíveis, como Young nos alerta – a escola não consegue garantir emprego, não consegue sozinha garantir equidade e democracia na sociedade (2010a). Por outro lado, o seu mandato particular é insubstituível. Diferentes autores apresentam formulações do mandato social da escola, destacando uns aspetos em detrimento de outros mas incluindo dimensões de desenvolvimento pleno da pessoa, de integração na sociedade e continuidade desta, de construção de relações e de capacitação para a autoria, quer do ser pessoa quer de conhecimento. Integrar na sociedade os alunos com a sua história passada e esperanças futuras e contribuir para a concretização da pessoa via sentido crítico e criatividade implica garantir a todos o que precisam de saber para serem autores críticos do seu presente e vidas futuras imaginadas (Allsup, Westerlund, & Shieh, 2012). O mandato é, assim, triplo incluindo qualificação – conhecimentos e capacidades, socialização – tradições e práticas, e subjetificação – formação da pessoa na sua agência e liberdade (Biesta, 2014). Em qualquer formulação ou instância, a missão da escola encontra-se imbricada com o conhecimento e o currículo - esse corpo de saberes tidos como socialmente necessários quer à integração social quer ao desenvolvimento dos grupos e indivíduos (Gaspar & Roldão, 2007). A missão da escola concretiza-se, assim, como organizadora da passagem do currículo por profissionais especializados na função de fazer com que outros (que hoje são todos os cidadãos) aprendam um saber que socialmente se considera que lhes é necessário (Roldão, Figueiredo, Luís, & Campos, 2009). A distinção entre o saber que se ensina e o saber construído sobre o ensino, que permite saber ensinar, é crucial para entender a profissão docente, pois é na mediação entre o saber e o aprendente que a função do professor se estabelece e justifica (Roldão, 2005). Depois de séculos de experiência e produção pedagógica, reconhece-se a importância desta distinção, investindo-se na produção de conhecimento sobre como se ensina conhecimento. A escola representa, pois, acesso a conhecimento sendo simultaneamente local de produção de conhecimento. Essa é parte da sua força enquanto instituição que responde a um mandato tão complexo: a sua flexibilidade e capacidade de resolver problemas através da construção localizada e contextualizada de saber. Tentativas de centralização e de imposição de formas de organização e trabalho pedagógico obnubilam essa característica tão essencial da escola na sua relação com o conhecimento. Essa flexibilidade e resposta local não permitem, contudo, abordar todas as questões que se colocam à instituição escola e ao seu mandato social. O currículo é um direito de todos, de quem o aprende e da sociedade que dele depende para a sua continuidade. É, portanto, necessário discuti-lo e concebê-lo de forma participada e fundamentada. O seu impacto presente – o potencial transformativo e de alargamento de experiência e capacidades – tem de ser pensado em conjunto com um exercício de prova de futuro – apreciar a capacidade de continuar a ser de valor no futuro distante, não se tornando obsoleto. Dadas as múltiplas facetas do futuro, o empreendimento de definição das aprendizagens importantes, do conhecimento que apoia os futuros desejados, implica pensar a relevância do currículo em termos futuros e presentes. Na resposta a esta complexidade, a irredutibilidade do conhecimento volta a revelar-se: a maioria das discussões tornam-no o grande vilão, inerte e desatualizado, ou a pedra de toque, o núcleo central. Considerar estas questões com uma perspetiva histórica, que valoriza as tradições de investigação sobre o ensino, permite-nos apreciar como as discussões contemporâneas reproduzem, muitas vezes, debates antigos levados a cabo por outros intervenientes noutros contextos socio históricos mas que abordam as mesmas problemáticas e se baseiam em visões de mundo semelhantes. Reconhecer a historicidade dos debates implica, ainda, valorizar o legado ou herança teórica da Pedagogia, da Didática e do Currículo que consideramos urgente considerar na discussão contemporânea, evitando movimentos pendulares entre alternativas extremadas que apenas esgotam a complexidade prenhe de saber, de articulações e de reciprocidade (Figueiredo, 2013). Assumimos, assim, que discutir o currículo é discutir o conhecimento que nele deve constar mas considerando a visão de conhecimento que perfilhamos e a forma de o perspetivar no contexto específico do ensino. Neste texto, procuramos contribuir para esse duplo desiderato: uma visão de conhecimento como poderoso mas não monolítico baseada, entre outros aspetos, na sua relação com as práticas de produção de conhecimento pedagógico e curricular.
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