Resumo: | O Estado Novo assumiu a propaganda como instrumento de governação. O jornalismo enquanto organizador e definidor da perceção da realidade constituiu-se como um dos alvos determinantes da atividade propagandística. O que aqui pretendemos é valorizar a censura à imprensa enquanto instrumento propagandístico, assumindo aquela um papel central na construção social da realidade que se quer impor. Está por estudar o lugar da censura na luta política da ditadura militar, entre 1926 e 1933. No entanto, a censura foi um instrumento político disponível, de valor incalculável, sem o qual não é possível entender a afirmação do sector salazarista no poder. À atuação da censura coube reconfigurar, continuamente, o campo dos “ situacionistas”, mas não só, a censura constitui-se o meio de propaganda mais abrangente e eficaz na edificação do Estado autoritário. Existe consenso na historiografia portuguesa sobre a afirmação, no seio da ditadura militar, do sector conservador antiliberal e autoritário, dirigido pelo ministro das Finanças, António Oliveira Salazar, a partir do início de 1930, com queda do governo de Ivens Ferraz e a nomeação para presidente do ministério, do general José Domingos de Oliveira. Não por acaso Ivens Ferraz seria o último presidente do conselho, da ditadura militar, a publicamente defender o fim censura: «Considero a censura à imprensa um mal necessário. É o meio mais eficaz de evitar a especulação política que constantemente se procura fazer com o que se faz e, principalmente como que inventa. Afastado esse perigo, a censura desaparecerá» ( Memórias: 112). . Com base no espólio da Ephemera, iremos analisar os primeiros boletins de cortes à imprensa, até hoje inacessíveis aos historiadores, redigidos semanalmente, pela Direção dos Serviços de Censura, a partir de março de 1932. Coincide a elaboração destes relatórios com um momento de clarificação política no interior da ditadura militar, lembremos que, em maio desse ano, a ditadura “abria” à discussão pública o projeto da nova Constituição, e, em julho, o ministro das Finanças, Oliveira Salazar, assumia a presidência do conselho de ministros. A conjuntura política era ainda marcada pela crescente afirmação no espaço público dos princípios doutrinários da corrente salazarista, autoritária, anti-liberal e nacionalista. O nosso estudo procurará compreender a crescente afirmação do aparelho de censura, no interior da ditadura militar, e analisar as práticas censórias deste período de pré institucionalização do Estado Novo. Em novembro, Salvação Barreto é nomeado a Diretor Geral dos Serviços de Censura, cargo que manteria, após a institucionalização destes serviços, no dia da publicação da nova Constituição, de 1933. Até 1944, Barreto dirige a censura, em estreita colaboração com o presidente do conselho, António Oliveira Salazar, destacando-se no processo de centralização, planificação e consolidação das práticas censórias, que haveriam de permanecer quase inalteradas, até 1974. No final de 1932, ainda antes da institucionalização do Estado Novo, já se desenhava o primeiro esquisso da representação do país imaginado pelo autoritarismo conservador. Pretendemos surpreender a cada traço do lápis azul, do silenciar de vozes, da ocultação de factos, tanto o recorte dos perfis idílicos da nação portuguesa, apaziguada, humilde e satisfeita, quanto os múltiplos gestos de resistência e transgressão.
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