Resumo: | Ao conceber a sua história paradigmática, publicada no início de 1818, a jovem Mary (Wollstonecraf Godwin) Shelley (1797-1851) procurou, pela primeira vez na história da literatura universal, substituir a então popular, embora desgastada, fórmula do romance gótico tradicional por um enredo que fosse não só mais verosímil, mas mais moderno também; isto é, um conto fantástico com origem num interesse condizente com a sua época progressivamente positivista e empirista: a especulação (pseudo-)científica. E, de facto, no contexto das palavras reveladoras do protagonista de Alastor, o poeta-cientista de conceção Romântica – “And my heart ever gazes on the depth / Of thy deep mysteries” – uma das maiores preocupações dos ‘cientistas’ nas primeiras décadas do século XIX envolvia a descoberta dos mistérios associados ao funcionamento da Natureza, incluindo a origem da própria vida e, também, da consciência humana: em suma, implicava facultar a revelação ‘daquilo que verdadeiramente somos’ (“to render up the tale of what we are”). Em virtude desta surpreendente inovação romanesca, assim como do seu tema intrinsecamente transgressivo, a obra passou a ser considerada, nomeadamente pelo escritor inglês Brian Aldiss, um marco inaugural de um novo e influente género literário – a ficção científica. Mas, acima de tudo, Frankenstein, or the Modern Prometheus (um subtítulo que enfatiza a ironia dessa modernidade) ficaria para sempre conhecido por ter dado origem a um mito que, embora suportado no Prometeu clássico, foi por muitos definido como o grande, senão único, mito original produzido pela Idade da Ciência e da Técnica. Nem humano nem inanimado, preso num vazio identitário sem resolução, o monstro permanece até aos dias de hoje um desafio incontornável quer para aqueles que constroem ‘comunidades de afinidade’ e de afeto, quer para aqueles que desejam de alguma forma redimir a promessa das humanidades, sobretudo face ao crescente domínio das ciências exatas.
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