Resumo: | No fim do século XX um conjunto de estudos sobre os processos de democratização na Europa do Sul apontavam para três resultados principais (Diamandouros Gunther 2001b; Gunther, Diamandouros, Puhle 1995; Pridham 1990a, 1990b; Pridham e Lewis 1996. Em primeiro lugar, que apesar das diferentes vias e sequências de transição, no final dos anos 1980 Portugal, Grécia, Espanha e Itália tinham conseguido consolidar as suas democracias e começavam a aproximar-se dos modelos de democracia liberal prevalecentes na Europa Ocidental. Em segundo lugar, que na década seguinte Portugal, Grécia e Espanha, deixavam para trás os períodos de polarização e de instabilidade política, que caracterizaram os primeiros anos após a transição, para adotar modelos de competição centrípetos com alternância entre dois partidos ou blocos moderados. Do mesmo modo na Itália, o pluralismo polarizado que tinha caracterizado as quatro primeiras décadas após à II Guerra Mundial, dava lugar a uma competição menos ancorada nas clivagens tradicionais, apesar de os níveis de fragmentação do sistema partidário se terem mantido elevados (Diamandouros e Gunther 2001a; Gunther 2005; Pasquino e Valbruzzi 2010). Em terceiro lugar, que parecia existir uma marca específica do “modelo mediterrânico” de democracia liberal, nomeadamente a coabitação entre instituições políticas similares às existentes em outras democracias ocidentais e uma “cultura política atrasada” (Pridham 1984). Apesar destes padrões de convergência são muitas as diferenças que separam os sistemas políticos da Europa do Sul (Bruneau et al. 2001; Lijphart et al. 1988; Pridham 1990a) . Neste capítulo exploramos essas diferenças através de uma análise comparativa e longitudinal dos sistemas partidários de França, Itália, Portugal, Espanha e Grécia desde a transição para a democracia até ao presente. Esta análise tem em conta dois recortes temporais específicos, que isolam conjunturas críticas importantes: a transição para a democracia e a crise económica de 2008. Dado o enfoque comparativo, este estudo não se deterá nas especificidades de cada país, procurando antes identificar variáveis explicativas do funcionamento dos sistemas partidários com (relativa) aplicabilidade para o conjunto de países em análise. Porquê o enfoque nestas duas conjunturas? Na verdade, os seus efeitos têm sido amplamente discutidos no seio de estudos clássicos quer da transitologia democrática quer do voto económico. Nos estudos da transitologia democrática (ver por exemplo O’Donnell e Schmitter 1986) o tipo de transição e as escolhas estratégicas dos atores políticos figuram habitualmente na lista de fatores explicativos dos alinhamentos partidários e das sequências de desenvolvimento dos sistemas partidários a curto e longo prazo (Cotta 1996; Diamandouros e Gunther 2001a). O estudo comparativo realizado por Cotta (1996) em meados dos anos 1990 confirmou a importância da transição na estruturação dos sistemas partidários da Europa do Sul, ainda que evidenciando diferenças marcantes entre os países. Nos casos de França e de Itália os níveis de polarização e de fragmentação observados durante a fase de transição não se alteraram significativamente ao longo do tempo, apesar da entrada em cena de novos partidos e de novas questões fraturantes. No caso da Grécia e da Espanha, a rutura relativamente ao passado autoritário não foi tão profunda, e permitiu a integração das velhas elites na definição das regras do jogo democrático (Cotta 1996; Diamandouros, Puhle, e Gunther 1995; Liebert 1990). Em Portugal, a transição influenciou o desenvolvimento de um sistema político com forte domínio institucional dos partidos e onde a radicalização à esquerda, marcada por uma clivagem de regime entre os socialistas e os comunistas, impossibilitaram a formação de uma aliança à esquerda a nível nacional, até muito recentemente (Jalali 2007). No que diz respeito à crise económica de 2008 os seus efeitos são antecipados pela teoria do voto económico, segundo a qual os eleitores tenderão a punir os governos incumbentes pela deterioração das condições económicas do país (Lewis-Beck 1988). Esta crise foi particularmente sentida entre os países da Europa do Sul e forçou os governos de Espanha, Portugal, Grécia e Itália, a pedir ajuda externa ou a cortar severamente nas despesas públicas (Bellucci, Lobo e Lewis-Beck 2012). Porém, no final de 2012 nenhum dos países tinha conseguido melhorar os indicadores de performance económica para níveis anteriores à crise (Magalhães 2014, 126). Os anos da crise representaram um grande teste aos sistemas partidários da Europa do Sul. A implementação de medidas de austeridade foi feita debaixo de fortes protestos populares (Accornero e Ramos Pinto 2014; Porta 2012) e à medida que novos partidos políticos entraram em cena. Se na França, Itália, Grécia e Espanha, os governos incumbentes foram punidos severamente pelo eleitorado e assistiu-se ao surgimento de partidos radicais e populistas, em Portugal as mudanças foram mais ténues (Lobo e Lewis-Beck 2012). Essa punição é expectável à luz da teoria voto económico, e foi empiricamente comprovada por Lobo e Lewis-Beck (2012). Este estudo demonstra que as perceções sobre o estado da economia influenciam significativamente as opções de voto na Itália, Grécia, Espanha e Portugal e que a força deste efeito diminui entre os cidadãos que responsabilizam a União Europeia pela crise. Assim o voto económico parece ser mediado pela estrutura de atribuição de culpas sobre quem tem responsabilidade pela crise (ver Belluci 2014 sobre o caso italiano). Este conjunto de estudos sugere que as conjunturas críticas são importantes, mas que os seus efeitos não são idênticos em todos os casos e dependem da intersecção entre vários fatores. Por exemplo, as escolhas feitas durante transição resultam de uma equação entre os legados do passado e os riscos do presente e os seus efeitos na política de um país tenderão a diminuir com o tempo. Dito por outras palavras é lógico supor que os efeitos desta conjuntura sejam menos visíveis nas democracias mais antigas que já passaram por mais fases de (re)estruturação do sistema partidário do que nas mais recentes. No que diz respeito à crise, os seus efeitos podem também ser altamente contingentes, por um lado porque a crise foi em si desigual ao longo da Europa (Kriesi e Pappas 2015) e por outro lado, porque os sistemas partidários não se mostraram igualmente resilientes face às pressões por mudança. O presente estudo analisa as continuidades e as ruturas entre conjuntura de transição e a conjuntura de crise. Irá investigar em que medida os sistemas partidários são estruturados por factores de longo prazo que resultam dos processos de transição à democracia ou por fatores de curto prazo, relacionados com a mais recente crise económica. Complementarmente serão abordadas as estratégias de competição levadas a cabo pelos principais partidos políticos durante estas duas conjunturas. A investigação levada a cabo neste capítulo está estruturada em três partes principais. Na primeira parte, partimos de dados eleitorais e do projeto Varieties of Democracy, para descrever os sistemas partidários da Europa do Sul, desde a transição para a democracia. Recorremos a indicadores habitualmente utilizados para medir o formato (número efetivo de partidos parlamentares e número efetivo de partidos no governo) e a estabilidade dos sistemas partidários (volatilidade eleitoral). Na segunda parte efetuamos um estudo preliminar de alguns fatores explicativos dos padrões de fragmentação e de volatilidade observados: começamos com uma análise descritiva das características dos sistemas políticos, e continuamos com uma análise multivariada dos determinantes da estabilização dos sistemas partidários. Esta análise tem algumas limitações em termos inferenciais, dado o limitado número de observações por país, mas será útil para a identificação de fatores explicativos alternativos. Na terceira parte, levamos a cabo uma análise histórico-comparativa dos sistemas partidários da Europa do Sul procurando isolar as transformações ocorridas durante a transição para a democracia e a crise económica de 2008. Terminamos com uma síntese dos principais resultados deste estudo.
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