Summary: | O gosto pelo relevo decorativo, de influência espanhola, regista-se em Portugal a partir do final do século XVII, sobretudo na região Norte do país. Este tipo de obra, com uma função narrativa, adquire em muitos casos uma expressão tridimensional que a aproxima da escultura. É disso exemplo o alto-relevo do Retábulo lateral de Nossa Senhora da Graça, da Igreja de São João Baptista da Foz do Douro, em madeira entalhada e policromada. Representa o episódio do nascimento dos gémeos São Bento e Santa Escolástica, fundadores da Ordem Beneditina. Embora não existam documentos que permitam a sua datação exata, as informações recolhidas sobre a construção da igreja e contratação de alguns retábulos, bem como as características estéticas e estilísticas da obra em estudo, permitiram situar a sua execução na primeira metade do séc. XVIII. O estado de conservação do painel apresentava algumas patologias que colocavam em risco a sua integridade física, especialmente ao nível dos estratos policromos, levando à necessidade de propor uma intervenção de conservação e restauro que permitisse preservar a sua integridade material e simbólica. Tornou-se assim evidente que o principal objetivo deste estudo seria, então, o da sua conservação. A intervenção teve em conta todos os fatores de degradação presentes, optando-se sempre por tratamentos que se adaptassem às características ambientais do espaço e em simultâneo às características dos materiais que constituintes do relevo. O principal desafio da intervenção residiu na remoção da sujidade aderente e das substâncias filmógenias acentuadamente oxidadas que perturbavam a estabilidade das camadas de policromia, bem como a leitura do assunto representado. Com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos materiais e técnicas aplicados na talha barroca portuguesa, aproveitou-se a oportunidade de desenvolver a intervenção de conservação e restauro para proceder ao seu estudo técnico, através da identificação dos seus materiais constituintes e modo como foram aplicados. Para tal foram recolhidas e analisadas amostras da policromia, preparadas para observação estratigráfica por Microscopia Ótica com luz refletida (OM) e submetidas a análise química por Micro Espectroscopia de Infravermelhos com Transformada de Fourier (Micro-FTIR) e Microscopia Eletrónica de Varrimento com Espectrómetro de Raios X Dispersivo em Energia (SEM-EDX), o que permitiu identificar os principais componentes das camadas policromas. Os resultados demonstraram que a camada de preparação é constituída por sulfato de cálcio. A camada de bolo, dito da Arménia (constituído por argilas ricas em óxidos de ferro) foi aplicada sob a folha de ouro. A análise do ouro revelou uma liga de elevada quilatagem. Os principais pigmentos identificados constam na lista dos pigmentos frequentes naquele período: branco de chumbo, vermelhão e azurite artificial. A análise por Micro-FTIR a uma das amostras indicou a presença de um triglicerídeo na camada cromática, indicando a utilização de um óleo como aglutinante das carnações. Contudo, não é possível distinguir através desta técnica qual dos óleos secativos terá sido usado. Ainda são mencionadas algumas técnicas decorativas características do período, como o estofado e omarmoreado presentes na obra. O sistema construtivo do suporte é bastante rudimentar, sendo facilmente compreendido sob uma observação atenta do reverso. Através dos resultados obtidos foram estabelecidas comparações com obras congéneres do mesmo período, constituindo um ponto de partida para o desenvolvimento do estudo desta tipologia de obra. O facto de o alto-relevo ser uma tipologia ainda muitíssimo pouco explorada, dos pontos de vista técnico e histórico-estilístico, constituiu também um dos fatores de interesse que motivaram este estudo. Em suma, este estudo permitiu a preservação de um painel em relevo com elevado interesse artístico e ainda contribuir para o conhecimento das características deste tipo de obra do ponto de vista técnico e material.
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