Summary: | No nosso entender os retábulos devem ser abordados como um capítulo autónomo da história da arte e não enquanto variante da talha ou das artes decorativas. Atendendo a que estes equipamentos enquadravam a mesa do altar, eram entendidos pelos responsáveis religiosos como um local sagrado, como se verifica com alguma regularidade na documentação da época. Vejamos dois exemplos. O bispo do Algarve, D. José de Menezes, na visitação à igreja matriz de São Clemente, em Loulé, efetuada a 14 de maio de 1682, afirma o seguinte: também achamos que o retábulo do altar-mor já está muito indecente pelo que ordenamos que se faça outro de novo (…) porque não admite demora o que é tão necessário para o serviço de Deus e ornato da igreja1. Num edital de 25 de janeiro de 1785, o bispo do Pará e mais tarde arcebispo de Braga, D. frei Caetano Brandão refere: nós podemos dizer com segurança que a Divindade habita corporalmente sobre os nossos altares2. Durante séculos decorreram nos retábulos os principais eventos litúrgicos promovidos nos espaços onde se localizavam. Sem eles não se justificava a existência de qualquer edificação religiosa, da mais modesta capela ao templo de maior importância. Consequentemente transmitiam uma mensagem religiosa, que se expressava não só nas artes figurativas (pintura e escultura), mas que também recorria à arquitetura, às artes decorativas e, por vezes, à heráldica. Os retábulos afirmavam-se ainda como um símbolo do poder da entidade ou do cliente responsável pela sua administração. Em determinados períodos, nomeadamente no Barroco, os ofícios religiosos eram celebrados intencionalmente num ambiente que tinha por principal objetivo incitar o ânimo dos fiéis a maior devoção. Vejamos como é que, em 1745, na igreja do convento de Nossa Senhora do Carmo, em Lisboa, é descrito o culto administrado por sacerdote e cantores paramentados, suspendendo-se todos naquela hora com a harmonia das vozes, a fragância das flores, o esplendor das luzes e mais particularidades que enternecem os corações.
|