O abandono de crianças em Lisboa (1850-1910). Os efeitos do fim da exposição anónima na roda

Durante os primeiros 60 anos de Oitocentos o número de crianças abandonadas em Portugal aumentou dramaticamente dada a legalidade das exposições anónimas. Pina Manique (1783) fez proliferar as Casas da Roda, demarcando o pioneirismo português face a outros Estados da Europa católica onde esta prátic...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Paulino, Joana Catarina Vieira (author)
Format: doctoralThesis
Language:por
Published: 2021
Subjects:
Online Access:http://hdl.handle.net/10362/99212
Country:Portugal
Oai:oai:run.unl.pt:10362/99212
Description
Summary:Durante os primeiros 60 anos de Oitocentos o número de crianças abandonadas em Portugal aumentou dramaticamente dada a legalidade das exposições anónimas. Pina Manique (1783) fez proliferar as Casas da Roda, demarcando o pioneirismo português face a outros Estados da Europa católica onde esta prática era igualmente aceite. Em Lisboa, a criação dos expostos era tutelada pela Santa Casa da Misericórdia, mediante financiamento concelhio, característica que se manteve após 1836, quando Passos Manuel fez transitar a tutela destes menores unicamente para os municípios, tornando o contexto da capital excepcional. Em Portugal (e no estrangeiro) o aumento dos abandonados e a sua mortalidade conduziram a debates, motivando uma mudança na política assistencial face aos expostos. Em 1867 decretou-se a abolição das rodas, impuseram-se a identificação e justificação parental e a ponderação da admissão, generalizaram-se as lactações e a fiscalização das grávidas não recatadas. Não obstante a revogação deste decreto, as medidas foram gradualmente aplicadas em todo o Reino e, no final de 1870, findaram os abandonos na roda da capital, onde até então eram expostos um número ímpar de menores, sem equivalência a outras Casas da Roda nacionais. Esta investigação analisa o abandono infantil em Lisboa (1850-1910), à luz da mudança no paradigma da política assistencial face aos expostos. Como se processou a extinção do abandono na roda em Lisboa? Quais os seus reflexos? Dividida em três partes, desvenda-se a evolução da assistência aos abandonados em Portugal e em Lisboa; para depois se estudar quantitativamente as características desta prática e os reflexos da mudança. Contam-se ainda histórias de vida de expostos entregues a amas das freguesias da Encarnação (Lisboa) e de Tomar (Tomar), reflectindo-se sobre a sua integração familiar e social. O fim do abandono na roda em Lisboa trouxe novos desafios à misericórdia, que não só aplicou as medidas de 1867, como se adaptou à realidade de uma grande cidade impondo iniciativas particulares bem sucedidas, como a cooperação com as autoridades policiais, dada a persistência de abandonos em locais públicos e do envio de crianças de outros concelhos para esta instituição. Feita a transição no processo de admissão e institucionalmente, mudaram também as dinâmicas quantitativas. Houve uma forte diminuição da entrada de abandonados, a par da mortalidade (e, ainda que lentamente da mortalidade infantil), por contraponto a um aumento da concessão de subsídios de lactação atribuídos, sobretudo, a mães casadas. Eram, todavia, as mães solteiras as maiores expositoras, abandonadas pelo pai do menor ou sendo criadas de profissão. As crianças admitidas tinham a sua origem geográfica, sobretudo, no concelho de Lisboa e, neste, na freguesia da Encarnação, bem como em outras associadas à fixação de habitações das «classes laboriosas» e onde o crescimento populacional tinha sido rápido. Após a sua admissão, os expostos eram enviados preferencialmente para zonas rurais dos distritos de inspecção criados pela misericórdia, com destaque para Leiria. Estudados os percursos de vida, as características do abandono eram idêntiticas nos dois grupos, mas diferia o percurso, mobilidade e integração familiar e social dos menores. Nas zonas mais afastadas da capital a probabilidade de inserção numa família era maior, tal como acreditavam os contemporâneos.