Resumo: | As doenças cardiovasculares são a maior causa de morte entre os insuficientes renais crónicos em tratamento hemodialítico. Estes doentes apresentam uma alta taxa de mortalidade e morbilidade devido a doenças cardíacas, estando a morte súbita cardíaca implicada nestes números. Se por um lado, este facto é devido às características e evolução da insuficiência renal crónica o que torna estes indivíduos especialmente suscetíveis a alterações cardiovasculares, por outro, a hemodiálise constitui por si só um elevado fator de stress cardíaco e hemodinâmico, comprometendo também todo o sistema nervoso autónomo e acarretando assim um risco elevado de morte devido a arritmias ventriculares. É por esta razão que a aplicação de técnicas não invasivas e eletrocardiográficas se tornam cada vez mais importantes na avaliação de IRCT, pois permite classificar e estratificar doentes em risco de morte súbita cardíaca devido a arritmias malignas. O objetivo principal desta investigação é avaliar quais os efeitos na eletrofisiologia cardíaca associados à terapia hemodialítica com base na eletrocardiografia e através de várias técnicas não invasivas. Estas vão por um lado, analisar a despolarização e repolarização ventriculares/ auriculares e a sua heterogeneidade das células miocárdicas, e por outro avaliar o funcionamento do sistema nervoso autónomo através da variabilidade da frequência cardíaca e turbulência da frequência cardíaca. Desta forma pretende-se aprofundar qual o risco arrítmico associado á terapia hemodialítica. A amostra em estudo é constituída por 52 doentes que realizam hemodiálise na Unidade de Diálise do Hospital Amato Lusitano da Unidade Local de Saúde de C. Branco, em que 40.4% (n=21) são mulheres e 59.6% (n=31) são homens, sendo a idade média de 67.73 ± 16.749 anos (idade mínima de 26 anos e idade máxima de 92 anos). A todos os indivíduos foram ligados Holter antes da terapia hemodialítica tendo sido desligados após o final da mesma. A variabilidade da frequência cardíaca e a turbulência da frequência cardíaca foram avaliadas e calculadas com base no registo obtido. Para além do Holter também foi realizado um ECG de 12 derivações a cada um dos indivíduos antes e após a terapia hemodialítica, sendo posteriormente medidos e calculados os parâmetros eletrocardiográficos: intervalo QT, intervalo QTc, dispersão do QT, intervalo Tpeak-Tend, intervalo JTend, dispersão do complexo QRS, dispersão da onda P e Índice de Sokolow-Lyon. Verificámos que a arritmia mais prevalente registada no Holter foi a taquicardia supraventricular ocorrida em 40.4% dos indivíduos, seguida da taquicardia ventricular com 11.1%. Apenas 3.8% dos indivíduos apresentaram fibrilhação auricular paroxística durante a terapia hemodialítica. Constatámos que com o decorrer desta ocorre um aumento estatisticamente significativo dos intervalos QT, QTc e dispersão do QT. O intervalo QT médio antes da hemodiálise é de 424.44 ± 42.61 ms, e após este tratamento aumenta para 439.11 ± 45.91 ms, ocorrendo uma diferença média de 14.66 ± 32.58 ms. Antes da terapia hemodialítica o valor do intervalo QTc médio é de 457.44 ± 38.29 ms, aumentando para 489.53 ± 50.85 ms depois de terminada a sessão, correspondendo a uma diferença média de 32.08 ± 50.22 ms. No que diz respeito á dispersão do intervalo QT, a hemodiálise provoca um aumento no mesmo de 8 ± 67.47 ms, ou seja, do valor de 63.5 ± 32.55 ms passa para 79.55 ± 44.41 ms. Não se verificou qualquer relação estatística entre os intervalos QT, QTc e dispersão do QT com a HVE ou a função ventricular esquerda diminuída, verificando-se que o intervalo QT e a dispersão do intervalo QT após a hemodiálise são superiores nos doentes com dilatação ventricular esquerda comparando com os doentes sem dilatação do ventrículo esquerdo, sendo as diferenças médias de 31.53 ms e 30.91 ms respetivamente. O intervalo Tpeak-Tend apresenta um aumento significativo de 107.27 ± 24.81 ms para 124.54 ± 22.76 ms, correspondendo a uma diferença média de 17.27 ± 28.14 ms. Não foram encontradas outras relações estatísticas entre o intervalo Tpeak-Tend e restantes variáveis estudadas. O intervalo JTend, não apresentou qualquer variação significativa com a hemodiálise, verificando-se apenas que nos doentes com hipertrofia ventricular esquerda o intervalo medido após a hemodiálise é menor cerca de 48.56 ms, comparando com os doentes sem hipertrofia ventricular esquerda. Relativamente á dispersão da onda P e á dispersão do complexo QRS, não foi encontrada qualquer alteração significativa com a terapia hemodialítica. A dispersão do complexo QRS revelou-se superior nos indivíduos sem fatores de risco cerca de 24.39 ms. Em relação á variabilidade da frequência cardíaca, apenas o componente SDNN índex isolado manifestou uma relação estatística com a hipertrofia ventricular esquerda. Na presença desta os doentes apresentam o SDNN índex reduzido em cerca de 13.13 ms, comparando com os doentes sem hipertrofia ventricular esquerda. Relativamente á turbulência da frequência cardíaca, esta investigação demonstrou que nos doentes com dilatação do ventrículo esquerdo, o valor médio de TO3 é de 1.25 ± 1.87 e sem dilatação do VE é de -0.54 ± 2.08. Desta forma, conclui-se que a hemodiálise provoca um aumento real e significativo do intervalo QT, QTc e da dispersão QT, afirmando-se a suscetibilidade e vulnerabilidade às arritmias malignas dos insuficientes renais crónicos sujeitos a este tratamento. Este facto aumenta assim o seu risco de morrer subitamente de causa cardíaca. Outros parâmetros descritos como substratos arrítmicos e estando por isso associados á morte súbita cardíaca, como a turbulência da frequência cardíaca ou a variabilidade da frequência cardíaca não encontraram neste trabalho a confirmação da sua relação com o aumento do risco arrítmico em doentes hemodialisados.
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