Resumo: | A presente tese de doutoramento é dedicada ao tema da ourivesaria da prata rococó em Lisboa, com particular incidência em três domínios nucleares: a sociedade, o artífice e a obra. Os objectivos principais consistem na articulação das características sociais e culturais do reinado de D. José I, e no necessário reconhecimento dos ourives da prata olisiponenses, partindo do seu respectivo enquadramento corporativo, identificando o ofício e os espaços oficinais, sem descurar a importância de uma análise centrada num nível mais sociológico, que permita identificar e contextualizar as suas obras, os seus formulários e a abrangência dessa produção. Convictos da sua pertinência, destacamos a importância do reconhecimento e da compreensão dos principais intervenientes envolvidos na arte da prata produzida durante o terceiro quartel de Setecentos, que assume um papel central no estudo da prataria rococó na cidade de Lisboa. A importância atribuída por D. José à arte da prata, um dos poucos luxos que lhe eram consentidos, tornaram-na num dos veículos mais importantes do período rococó. Fenómeno iniciado ainda nos últimos anos do reinado de D. João V, no epílogo de um ciclo notável de realizações, quando a ourivesaria da prata se começa a libertar dos excessos iniciais, afirmando-se como uma etapa mais classicizante e de maior equilíbrio formal, o rococó consolidaria, em Lisboa, os seus motivos ornamentais e estruturais após 1755, na sequência de uma já anunciada reconfiguração ideológica manifestada desde a subida ao trono do monarca. A adesão dos ourives da prata olisiponenses ao novo formulário, desfasada temporalmente com a produção europeia, onde o estilo já se havia manifestado desde a década de 30 de 1700, teve como principal propulsor o terramoto de 1755. As peças executadas, por vezes de caráter excepcional, quase sempre atribuídas a marcas de ourives não identificadas, tornam-se no reflexo de uma realidade artística e sociológica resultante do período que se seguiu às consequências da catástrofe de 1755, e cuja génese se encontra precisamente na cultura artística local pré-existente, permanecendo na linha de influência europeia seguida desde a primeira metade do século, onde modelos ingleses, franceses e italianos conduziram a uma arte marcada por esses protótipos. Favorecida pela ruptura propiciada, a transição para o novo estilo envolveu a substituição das formas lineares, esquemáticas e grandiosas, que caracterizavam até então a produção artística da capital de D. João V, por formatos de contornos fluídos, assimétricos e movimentados, resultado de uma nova vivência sociológica inspirada nos parâmetros da cultura francesa. A arte da prata produzida pelos ourives de Lisboa no reinado de D. José, embora sem perder a sobriedade formal e decorativa característica, oscilou entre um rococó disciplinado de origem barroca, no campo religioso, e uma leve elegância de carácter francês e inglês na produção civil, reflexo da contradição entre o reformismo de Pombal, a abertura da corte à predominância da cultura francesa e o conservadorismo de uma igreja regida pelos valores artísticos romanos.
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