Resumo: | Admirado pela linguagem inovadora com que constrói retratos de pessoas a viver em situações limite, Pedro Costa é uma figura consensual no panorama do cinema contemporâneo de autor. Entre 1997 e 2006, produziu aquele que é, por muitos considerado, o seu corpo de trabalho mais relevante: um conjunto de três filmes, conhecido por “Trilogia das Fontainhas”, do qual fazem parte Ossos (1997), No Quarto da Vanda (2000) e Juventude em Marcha (2006). Exemplos que nos permitem identificar alguns dos aspectos mais singulares da sua obra. Produzidos à volta de uma ligação entre Cabo Verde e Portugal, os três filmes exploram uma série de oposições, entre um bairro de uma periferia pobre e o centro de uma capital europeia com sinais de riqueza; entre distância e proximidade, comunidade e nãocomunidade, deslocação e localização, lugar e contexto. Numa escala mais pequena, a substituição da ilha pelo bairro, a relação do corpo com a parede a surgir em espaços de dimensões reduzidas, simultaneamente interiores e exteriores. Espaços fechados e abertos, privados e públicos, pessoais e políticos. Com este estudo propõe-se que o antagonismo presente nestes trabalhos e a forma como esse antagonismo é traduzido em linguagem cinematográfica, com recurso a movimentos de câmara lentos e com a figura humana a surgir como elemento principal da composição do plano, aproximam o cinema de Pedro Costa da área da escultura. A proposta é feita com base nos exemplos mencionados, em entrevistas ao cineasta, no pensamento de Jacques Rancière, espectador atento da obra de Costa, e na colaboração entre o cineasta e o escultor Rui Chafes. São explorados três pontos principais: primeiro, o modo como o corpo é representado de maneira semelhante a um objecto, tantas vezes lento, silencioso e frágil, sempre sujeito à condição material da sua existência, acompanhado pela atenção que Costa dá a diversos objectos e que é um registo que aparece como forma de inscrição do ser na realidade concreta das coisas; segundo, a variação da matéria sensível e do que é considerado belo; terceiro, a arte como campo de aproximação de realidades opostas e de criação de novos significados, isto é, como campo de mudança e da possibilidade de um novo começo construído a partir de uma alteração das condições materiais. O objectivo é estabelecer-se uma ligação entre o cinema de Pedro Costa e a área da escultura e reflectir sobre um desafio comum aos dois: a urgência de elevar a vida por meio de uma recomposição do mundo material, numa expressão de significado à margem de lógicas economicistas.
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