Resumo: | Encontrando-se entre os ecossistemas mais produtivos do globo, as zonas húmidas são actualmente alvo de profunda intervenção humana, pelo que a superfície por elas ocupada tem vindo a diminuir. A Ria de Aveiro não é uma excepção, encontrando-se já profundamente artificializada. Desde o início da sua formação, por volta do século X, esta laguna começou a ser usada (e modificada) pelos habitantes da região. A maioria das espécies de aves limícolas utiliza as zonas costeiras, e em particular os ecossistemas estuarinos, como áreas de invernada. A Ria de Aveiro assume importância ornitológica internacional, uma vez que alberga mais de 1% de algumas populações invernantes da Europa, como o Borrelhogrande- de-coleira, Charadrius hiaticula, espécie ainda pouco estudada neste local. No presente trabalho propõe-se, então, investigar alguns aspectos relativos à biologia desta espécie, nomeadamente a fenologia da população invernante, os seus hábitos alimentares e ainda o comportamento nas zonas de alimentação. O trabalho de campo foi realizado no Canal de Mira, teve início em Setembro de 2000 e findou em Março de 2002. Foram efectuados censos de baixa-mar e determinada a distribuição geográfica dos indivíduos nos vários sectores da área de estudo, utilizados já em trabalhos anteriores. Verificou-se um padrão de variação do número de indivíduos bastante semelhante nas duas épocas de invernada. Durante a alimentação, os indivíduos apresentam preferência por quatro dos sectores considerados, provavelmente pelas suas características ao nível da disponibilidade de alimento e propriedades do sedimento. A perturbação humana foi também considerada, tendo sido determinado o número de mariscadores presentes em cada sector do Canal de Mira. Para a investigação dos hábitos alimentares foram colhidos e analisados dejectos produzidos nos locais de alimentação. Foi também feita a colheita de sedimento nos mesmos locais. Poliquetas e Gasterópodes (Hydrobia ulvae) constituem as principais presas do Borrelho-grande-de-coleira. Através de observações individuais e aleatórias, foi possível quantificar o tempo dispendido pelas aves nas diversas actividades. Assim, durante o período de baixa-mar, grande percentagem do tempo (cerca de 90%) é dedicado à alimentação enquanto que, durante a enchente, as aves se aplicam também nos cuidados com as penas (actividades de conforto). No que respeita a vasante, a alimentação é também a actividade predominante. Esta espécie apresenta algum gregarismo e, aparentemente, ocorrem fenómenos de competição intra-específica. Partilha muitas vezes os locais de alimentação com Charadrius alexandrinus e Calidris alpina; foram observados comportamentos agressivos para com os primeiros, não tendo ocorrido quaisquer situações reveladoras de competição inter-específica com C. alpina. A necessidade de investigação, visando a obtenção de técnicas e processos de recuperação e gestão urge nas zonas húmidas. Nesta linha de pensamento fica sublinhado o interesse que teria, em trabalhos futuros, a investigação do uso das restantes áreas da Ria de Aveiro por parte do Borrelho-grande-decoleira, principalmente as salinas, locais onde também ocorre, não só para a alimentação como para refúgios de preia-mar.
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