Resumo: | 1. O fundo histórico da «teologia política»: Para compreender a «teologia política» de língua alemã é absolutamente indispensável ter em conta o contexto histórico e social. O programa da «teologia política», surgido pela primeira vez entre 1965 e 1969 e corrigido e desenvolvido em vários aspectos a partir desta data, é efectivamente a mais significativa reacção teológica à mudança da consciência geral nos países industriais da Europa. A tomada de consciência dos problemas políticos, económicos e sociais nos anos sessenta fizera viver o presente como tempo de transição e de crise, mostrara a necessidade de reforma da moderna sociedade industrial e despertara uma grande vontade de mudança. Esta mudança de perspectiva encontrou o seu eco não só no protesto estudantil internacional de cariz anárquico, na recente atractividade do marxismo entre os intelectuais e no ganho de terreno dos partidos «socialistas», mas também numa viragem da consciência eclesial. Com a constituição pastoral Gaudium et spes do II Concílio do Vaticano, a Igreja católica procurou introduzir o seu próprio testemunho e o seu próprio serviço a uma humanização da sociedade no recém-começado diálogo com o mundo, para deste modo também proclamar a verdade e a actualidade da fé cristã no mundo contemporâneo. De modo semelhante reagiam as Igrejas protestantes. Com a conferência mundial de 1966 sobre Igreja e Sociedade em Genebra (tema: «Os cristãos nas revoluções técnicas e industriais do nosso tempo») e na «teologia da revolução» aí propagada, deslizava também aqui o centro de gravidade de uma teologia da ordem para uma teologia da mudança. Por detrás destas duas linhas de demarcação anuncia-se já uma primeira tensão no novo comportamento eclesial em relação ao mundo. No contexto das complexas e altamente desenvolvidas sociedades industriais da Europa e da ainda não resolvida problemática de aclaramento, uma «teologia política» tinha quase forçosamente de tomar uma forma diferente da que se fazia, por exemplo, na América Latina, onde a evidente estrutura de violência do liberalismo e do capitalismo levava os teólogos a elaborar uma «teologia da libertação», imediatamente referida à situação e à praxis. Esta tensão foi a breve trecho envolvida por outra. Ao lado de uma cautelosa acentuação teológica do significado social do Evangelho, mais nos quadros tradicionais, o movimento esquerdista penetrava cada vez mais no espaço eclesial. Manifestava-se aqui não só num compromisso mais pronunciado por uma política «socialista» e numa maior disposição de lançar mãos do instrumental marxista de análise da sociedade, mas também em diversas tentativas de modificar as próprias estruturas eclesiais (democratização e politização de Igreja). Ao lado destes genéricos pressupostos europeus de «teologia política» há ainda uma série de condições especificamente alemãs. Aqui o movimento esquerdista permaneceu mais fortemente do que em qualquer outra parte limitado aos intelectuais. Não se deu uma polarização politicamente relevante de forças sociais, por falta de antagonismos sociais profundos. A critica social neomarxista de maior influência («escola de Frankfurt») dedicou-se mais ao processo técnico de civilização e às suas causas do que a questões de política económica. Acrescia ainda o predomínio da problemática hermenêutica, que no pós-guerra tomara uma orientação transcendental, existencial e personalista e agora tinha de experimentar uma correcção e complemento «político», e a possibilidade de se inserir no diálogo tendencialmente especulativo entre cristãos e marxistas. Com isto estava uma «teologia política» imediatamente metida num quadro teorético, em maior ou menor escala. Ela é hermenêutica política do Evangelho como forma actual da responsabilidade da fé cristã perante a nova razão esclarecida, crítica e política. Na sua primeira fase (1965-1969), esta hermenêutica está orientada num sentido quase entusiasmadamente escatológico-futurístico e preenchida de uma esperança optimista numa praxis mais humana. Na segunda fase foram necessárias algumas transformações importantes. Perante a crítica teológica (perigo de tomada acrítica de motivos marxistas e negligências da base de partida cristã, perigo de renovada politização da teologia) e perante a nova situação social e cultural no começo dos anos setenta (acordar da euforia reformista, tendência conservadora) salienta-se agora mais o carácter cristão e dogmático da «teologia política» e corrige-se o anquilosamento político do conceito de praxis. As reflexões teológicas sobre a relação fé e política que se sentiram com direito ao título de «teologia política» no espaço linguístico alemão são, por certo, muito diferenciadas. Nalguns casos trata-se apenas de uma forma renovada de ética social. O conteúdo da noção é então bastante impreciso. No fundo, a «teologia política» preocupou-se com um problema de fundamentos, teológico e hermenêutico: a validade pública da mensagem cristã no seu conjunto nas condições sócio-culturais dos novos tempos. A linha dominante da discussão no espaço linguístico alemão (representantes principais: J. B. Metz e J. Moltmann) é mais de orientação dogmático-apologética (responsabilidade da fé no actual contexto social). Dela tratará a segunda parte. Uma segunda linha (representantes principais: T. Rendtorff e D. Sõlle), menos influente, é mais de orientação ética; procura tirar as consequências políticas da teologia liberal em que entronca. 2. Intenção e função da «teologia política»: A «teologia política» de orientação «dogmática» tem em primeiro lugar uma intenção hermenêutica: a descoberta da linha política fundamental da mensagem cristã. Em segundo lugar, tem uma intenção apologética: a responsabilidade da fé cristã na situação sócio-cultural de hoje, que vê especialmente marcada por iluminismo e marxismo. Para não cair numa apologética pré--crítica, adopta-se a relação hegeliano-esquerdista teoria-praxis e declara-se problema hermenêutico fundamental da teologia: A ortodoxia — diz-se — deve ser coberta pela ortopraxia, a teologia deve entender-se sobretudo como teologia prático-política. Em confronto com a transmissão abstracta de logos e ethos na ontologia e metafísica tradicional, o conceito de verdade recebe agora um carácter histórico-futurista, dialéctico e operativo. Esta arrancada inicial de «teologia política» demonstrou-se problemática, tanto sob o aspecto social-filosófico como sob o aspecto teológico. A problemática social-filosófica insere-se antes de mais no contexto da recepção das teorias de emancipação neomarxistas. Em virtude da distinção entre movimento de emancipação e movimento de produção em K. Marx e da impossibilidade, historicamente demonstrada, dum mecanismo da emancipação economicamente fundado, as teorias de emancipação conferiam um peso novo e decisivo à crítica e à alteração da superestrutura: a reorganização «razoável» das condições sociais não levava automaticamente a uma sociedade emancipada, mas, pelo contrário, a uma sujeição do homem ao domínio por ele próprio adquirido sobre a natureza (crítica da civilização técnica). Em consequência da totalidade desta crítica da razão, que em última análise vive apenas de antecipações e de recordações, dificilmente se pode dizer mais alguma coisa de preciso sobre a futura praxis humanista e os seus sujeitos. É evidente porque é que a «teologia política» podia entroncar precisamente aqui e porque é que ela, na sua primeira formulação, aqui tinha igualmente de fracassar. Enquanto as condições concretas, políticas e económicas, a tal ponto se ofuscam e enquanto a questão da verdade de tal modo se transpõe para o plano da história que apenas são possíveis fundamentações tradicionalistas ou políticas duma nova praxis, nesse mesmo tempo tem a «teologia política» de carecer de uma séria força de convicção política e filosófica. A problemática teológica da «teologia política» resulta do modo e feição da legitimação e prática teológica da nova hermenêutica política. Enquanto os representantes da «teologia política» procuravam fundamentar o carácter histórico-futurista, político-social e operativo da sua nova hermenêutica apologética com recurso a motivos bíblicos centrais (promessas escatológicas, cruz, aliança, liberdade, unidade de palavra e acto, comportamento de Jesus, etc.) e então procuravam de novo interpretar os conteúdos da fé em termos de prática política, os críticos teológicos salientavam a diferença intransponível entre a óptica moderno-iluminada com as suas categorias filosóficas e políticas e a óptica bíblica com as suas concepções e conceitos teológicos, e negavam a ligação íntima de fé e política pretendida na hermenêutica política por razões exegéticas, dogmáticas e práticas. Com isso se prejudicava consideravelmente a efectividade hermenêutica da «teologia política». Já na segunda fase (a partir de 1969) se procurou considerar uma parte desta problemática. J. B. Metz revia em primeiro lugar o conceito de teoria escatológico-futurista, lançando mão da noção de uma «recordação crítica» ou de uma «recordação de sofrimento», porque deste modo podia pensar-se simultaneamente em liberdade e tradição e era possível inserir as tradições dogmático-cristãs mais constitutivamente na «teologia política». Como é que em última análise se podia dar uma fundamentação exclusivamente política à liberdade? Pela recordação da história da saudade da liberdade, que sobe da dor experimentada. Assim a fé cristã, como «memoria passionis, mortis et resurrectionis Jesu Christi» seria uma tal forma de recordação crítica e libertadora, porque sobre ela se funda para todos a promessa de futura liberdade. Através da ligação de aspectos centrais de soteriologia cristã com a categoria de uma recordação libertadora pôs-se mais em evidência a contradição interna das modernas teorias de emancipação. Ao mesmo tempo, a «teologia política» tinha, porém, de renunciar a uma mediação argumentativa e entender-se como recordação narrativa («teologia narrativa»), que se pode credenciar apenas por uma praxis convincente. Ao mesmo tempo libertava-se o conceito de praxis da sua estreiteza política e alargava-se a história de culpa, destino de finitude e de morte da existência humana. Só assim, pensava-se, ele correspondia à efectiva experiência humana de sofrimento; só em confronto com ele se podia interpretar a redenção cristã como libertação. J. Moltmann fazia uma revisão teológica dos conceitos de teoria e praxis estruturalmente semelhante. Nele a teologia da cruz renovada dá ao conceito de teoria um conteúdo dogmático ainda mais forte. «Teologia política» torna-se «teologia política da cruz», que interpreta a cruz de Cristo como força crítica de libertação da idolatria política e da menoridade e alienação política do homem. Num recente alargamento trinitário desta teologia da cruz, os sofrimentos humanos são mesmo inseridos nas relações trinitárias por meio da paixão de Jesus Cristo, como kenose de Deus na cruz, e aí «suprimidos» (a palavra alemã também se pode traduzir por «superados», «sublimados», «elevados» — aufgehoben). O estreitamento futuristo-operativo do conceito de praxis foi simul-taneamente desfeito por uma teologia do jogo e uma nova estética teológica. Recorrendo à liberdade, glória e amor de Deus e à sua glorificação na celebração litúrgica, a praxis libertadora do cristão devia despojar dos traços legais e tomar com isso uma forma mais cristã e mais humana. Neste actual estádio de desenvolvimento da «teologia política» aparecem elaborados com êxito uma série de pontos problemáticos da fase primitiva. Valorizam-se agora mais as condições teológicas da hermenêutica política do Evangelho, as quais influenciam, por outro lado, a forma da apologética. «Teologia política» tende a ser uma mediação dialéctica de fé cristã e pensamento iluminado de crítica à religião. E claro que algumas questões continuam por resolver. A efectividade apologética continua a ser prejudicada pela indeterminação do destinatário, a qual se prolonga em método e conteúdo (por um lado, por ser muito iluminada, por outro, por ser muito teológica) com a exclusão da determinação da relação entre ontologia e história, que deixa o conceito de verdade na penumbra, e com a falta de uma ética política, que só ela objectiva as intuições hermenêuticas nas questões concretas de organização política, económica e social. A efectividade hermenêutica continua prejudicada pela deficiente delimitação de «teologia política» em sentido teológico formal. E isso continuará a alimentar um divulgado equívoco da crítica teológica. Segundo ele, ou o político é o único e exclusivo horizonte na «teologia política» ou a hermenêutica política é de tal modo universal que concentra em si todos os conteúdos da exegese, dogmática e ética social.
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