Summary: | “O tempo e o modo de um estudo sobre o salazarismo” constitui o Prefácio à 2.ª edição do livro O Olho de Deus no Discurso Salazarista, que reproduz a tese de doutoramento que o autor defendeu na Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo, em 1984. Este estudo sobre o salazarismo interroga a política geral do sentido, própria do discurso salazarista, que o mesmo é dizer, o seu regime de verdade. A interrogação sobre um tal regime levou o autor a relacionar o discurso salazarista com a temporalidade, e portanto com a memória histórica do povo português, através de exercícios do olhar, da memória, do desejo e da vontade. Feita a análise, pôde concluir-se que o regime de verdade salazarista impôs ao país um imaginário colectivo, que preserva a unidade da nação e combate a sua fragmentação; realiza a regeneração nacional e combate a sua degenerescência; cumpre a verdade da pátria e combate a sua dissimulação e contrafacção. Da mesma forma, no imaginário que é imposto à nação portuguesa, as figuras de decadência, degenerescência e doença da nação são contrapostas às imagens da sua reabilitação, regeneração e saúde. Por sua vez, na relação entre o regime de verdade salazarista e a construção do espaço nacional, foram ainda analisadas as figuras de unidade nacional e de recta razão, assim como as imagens que se lhes contrapõem de fragmentação e de ordenamento irracional do espaço nacional. Passados trinta anos sobre a elaboração deste estudo, a figura de imaginário salazarista passou a ser utilizada pelos próprios historiadores, que a princípio a desconsideraram. Procuram explicar, deste modo, a longevidade do regime salazarista, por razões que não se cingem ao exército, à censura, à polícia política, à prisão e ao degredo. É o que se passa, por exemplo, com Fernando Rosas, que explicitamente pergunta, no livro que publicou em 2012, Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar: por que razão durou o salazarismo? A sua resposta, no entanto, afasta-se da proposta feita pelo autor de O Olho de Deus no Discurso Salazarista. Não é pelo lado da identificação de Salazar com uma “boa dona de casa”, que é uma figura maternal, que Fernando Rosas lê a saudade de um tempo medieval, enfim, a concordia de um país rural. É antes pela “honrada modéstia de um caseiro rural”. E da mesma forma, também não é pela exaltação do “navegador-guerreiro das caravelas”, enfim, pela exaltação do imperium, que Fernando Rosas lê o sebastianismo salazarista, mas antes pela invocação da figura do “guerreiro moderno e viril”. As imagens convocadas por Fernando Rosas acentuam as características de um regime “de vocação totalitária”, que age pela força e agride “os espaços tradicionais da privacidade ou da autonomia”, manifestando, pois, uma “natureza comum” aos regimes nazi e mussoliniano. Em contrapartida, aquilo que é proposto em O Olho de Deus no Discurso Salazarista é que as figuras da “dona de casa” e do “navegador-guerreiro das caravelas” apenas assinalam a natureza de um regime tradicionalista e autoritário, mais paternalista do que de coerção violenta, um regime todavia “limitado pela moral e pelo direito”.
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