Resumo: | No final de uma tarde de Outono, quando me dirigia à Brasileira do Chiado para tomar um café, mesmo em frente da Livraria Bertrand sou abordado por uma jovem que, com um sorriso amigável, me questiona: «gosta de poesia»? Balbuciei um sim hesitante enquanto, no íntimo, me interrogava: «E esta, que quer?» Quando, adivinhando as minhas suspeitas, me disse o que queria desafiando o meu próprio querer – «quer ler um poema meu»? – fiquei sem saber o que lhe dizer. Não se deixando perturbar pelo meu silêncio, puxou de uma pasta de plástico cheia de folhas de papel e, estendendo-me uma delas, suplicou: «Veja se gosta. Leia, por favor.» Depois, baixando o tom de voz, segredou-me como se estivesse revelando um delito: «estou desempregada». Num impulso mergulhei na leitura do poema cujo ojecto era o silêncio. Disse-lhe que era bonito e a jovem respondeu-me que o poderia guardar. Se lhe pudesse dar um ou dois euros agradecia. Autografou o poema (Nair Leonora Correia) e colocou a data do dia que corria (20-10-10). «Tem mais poemas? Posso levar mais um?» À sorte, calhou-me Curva Oblíqua. Atravessei a rua e dirigi- me então para a Brasileira, onde, junto à estátua de Fernando Pessoa, li o poema da jovem desempregada. Logo me lembrei da poesia interseccionista de Pessoa: de Chuva Oblíqua (Orpheu), Paisagens Oblíquas (Livro do Desassossego), Oblíqua Madrugada (Ode Marítima).
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