Summary: | O conceito de “witchcraft children” ou “enfants sorcières”, amplamente traduzido por “crianças feiticeiras”, tem ocupado as agendas de diversas entidades internacionais, nomeadamente da UNHCR, UNICEF, na medida em que são levantadas inúmeras preocupações ao nível do abuso e violência sobre as crianças que são vítimas (Bussien et al., 2011), podendo chegar até àquilo que é apelidado de infanticídio camuflado ou mesmo socialmente aceite. O conceito “witchcraft children” é definido através de diferentes perfis: algumas destas crianças são fisicamente diferentes, tal como pessoas com deficiência ou albinos; outras porque são rebeldes ou indisciplinadas. Pode incluir também crianças com distúrbios psicológicos, epilepsia ou até crianças órfãs, que estão a cargo de outros familiares, representando, muitas vezes, um fardo no orçamento dessa mesma família (Save the Children, 2006). Como é possível verificar pelas diversas categorias acima apresentadas, esta temática é ainda pouco consistente, já que, por um lado, alguns autores procuram definir um perfil muito específico das chamadas “crianças feiticeiras” e, por outro, todas aquelas que não se encaixam nesse perfil são uma espécie de categorias adjacentes, que parecem representar diversos fenómenos em simultâneo. Na Guiné-Bissau, o termo de “crianças Irã” é definido pelo UNDP (2011) como crianças deficientes e/ou crianças com crescimento anormal (podendo estar associado a aspetos de má nutrição), remetendo estas questões para uma demonização (em muitos dos casos com a atribuição de superpoderes) dessas próprias características. Os indicadores de saúde infantil na Guiné-Bissau demostram que, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil para menores de 5 anos é de 161/1000 nados vivos (comparativamente a 3/1000 em Portugal) (UNICEF, 2013). Cerca de 19% das crianças com menos de 5 anos sofre de malnutrição moderada ou aguda, apenas 52% das crianças têm acesso a água potável, só 15% das crianças cumprem o plano anual de vacinação, apenas 20% têm acesso aos cuidados sanitários e só 36% dormem com rede mosquiteira. A nível da educação, a esperança de vida escolar na Guiné-Bissau é de 3,6 anos e só 24% das crianças com menos de 5 anos foram registadas ao nascer, calculando-se que existam mais de 480.000 crianças não registadas, sem “direito a ter direito”, não havendo, igualmente, qualquer registo de quantas crianças com deficiências existem (UNICEF, 2013). A crença da maioria dos grupos étnicos da Guiné-Bissau sobre a encarnação de uma divindade, apelidada no animismo como “Irã”, torna-se a justificação de muitos fenómenos para os quais não encontram outra explicação. Na verdade, os aspetos de feitiçaria e/ou o entendimento de que estas crianças são demónios/espíritos maus surgem como justificações socialmente aceites e credíveis, tendo em conta um histórico enraizado de tradições e rituais, para essa necessidade de eliminar o fator de vulnerabilidade e/ou de ameaça à comunidade (Barker, 2007).
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