Summary: | O texto que ora se apresenta e o filme Rua dos anjos são os dois objetos resultantes de um percurso investigativo teórico-prático, que buscou maneiras de efetivar uma equivalência funcional entre quem filma e quem se deixa filmar. O questionamento sobre o gesto criativo em cinema ser protagonizado, convencionalmente, pela pessoa que realiza, foi o ponto de partida para se propor uma construção fílmica fundada na criação partilhada entre uma realizadora e uma personagem. Rua dos anjos, um filme com abordagem documental tendo como principal interlocutora Maria Roxo, buscou responder à problemática específica originada por tal premissa. Onde encontrar uma personagem disposta a atuar atrás e à frente da câmara? É imprescindível, num processo de construção fílmica partilhado, a elaboração de um texto à partida, seja ele um guião, tratamento ou argumento? Qual é a relevância do estilo pessoal da realizadora ou do realizador numa criação partilhada com uma personagem que nunca houvera criado no domínio do cinema? Se a narrativa cinematográfica não pertence exclusivamente à pessoa que realiza ou à pessoa produtora de histórias, como decidir sobre qual material será incluído ou excluído no processo de montagem? Estas foram apenas algumas das questões que permearam as diferentes etapas da construção fílmica e foram subordinadas a um problema central: como efetivar uma partilha criativa em cinema até ao ponto em que as funções da realização e da atuação se transformem uma na outra? A indicação de Gilles Deleuze sobre o ato criativo não pertencer exclusivamente aos artistas, revelou-se como potencial para pôr em prática um pensar que contraria a identidade dominante do ver e do falar em cinema. Esta investigação traz, portanto, uma reflexão minuciosa sobre o processo de construção do filme Rua dos anjos, onde Maria Roxo, em ato de resistência aos cânones cinematográficos, revelou que uma personagem documental, que nunca houvera realizado um filme pôde, a despeito de qualquer afirmação oposta, instituir-se como realizadora, ao mesmo tempo que instruiu outra realizadora acerca da prática fílmica.
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