A Companhia de Jesus e o saber astronómico em Portugal nos séculos XVI e XVII : as teorias dos cometas

Descobrimos o papel desempenhado pela Companhia de Jesus no âmbito da Cultura, da Filosofia e da Ciência europeias e particularmente, no caso de Portugal, no domínio da Ciência Náutica, quando há já quase trinta anos estávamos a preparar a nossa dissertação de Mestrado, nessa área, sob a orientação...

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Detalhes bibliográficos
Autor principal: Fernandes, Mário Simões (author)
Formato: doctoralThesis
Idioma:por
Publicado em: 2017
Assuntos:
Texto completo:http://hdl.handle.net/10451/28718
País:Portugal
Oai:oai:repositorio.ul.pt:10451/28718
Descrição
Resumo:Descobrimos o papel desempenhado pela Companhia de Jesus no âmbito da Cultura, da Filosofia e da Ciência europeias e particularmente, no caso de Portugal, no domínio da Ciência Náutica, quando há já quase trinta anos estávamos a preparar a nossa dissertação de Mestrado, nessa área, sob a orientação do Professor Luís de Albuquerque. Foi ele que nos alertou para a necessidade do estudo das obras produzidas por alguns dos padres mestres de Santo Antão, no campo da Navegação e da Astronomia Náutica, matérias que estavam incluídas no plano de estudos do curso que ficaria conhecido “Aula da Esfera”, muito próximo, aliás, do conteúdo das lições prescritas pelo cosmógrafo-mor para o ensino dos pilotos. Só que, na maioria das suas obras, aqueles padres mestres ultrapassaram o carácter específico dos temas da Ciência Náutica, expondo as características dos principais modelos cosmológicos concebidos desde a Antiguidade, incluindo o de Copérnico, mesmo depois de proibido pela Congregação do Indice, em 1616. A constatação desta realidade despertou em nós um enorme entusiasmo, no sentido da consulta desse acervo documental1, porque pensávamos ter ali encontrado muitos indícios da polémica em torno dos modelos cosmológicos preconizados por Ptolomeu, Copérnico e Tycho Brahe, com a particularidade de se situarem no seio de uma Ordem Religiosa – a Companhia de Jesus – classificada por muitos autores, dos séculos XIX e XX, como um instrumento da Contra-Reforma e como um obstáculo ao progresso científico. E o entusiasmo foi tanto maior, quanto achámos que o estudo dessa documentação, espalhada por vários arquivos nacionais e estrangeiros, uns com a identificação do seu autor e outros apócrifos, nos permitiria, de algum modo, tomar o pulso ao estado de espírito, às contradições, aos conflitos de ordem disciplinar, espiritual, teológica e cultural que eventualmente tinham assolado a mente dos padres mestres que tomaram parte nesse debate filosófico e científico que marcou a Cultura Europeia do século XVII – Portugal incluído – e que, para todos os efeitos, foi percursor da “Ciência Moderna”. Mas, uma vez que a inclusão deste importante “filão” – afinal já algo explorado por essa altura – na dissertação de Mestrado que estávamos em vias de completar, não fazia sentido, pensámos dedicar a nossa atenção e o nosso labor, num futuro próximo, ao estudo das cópias das lições ministradas em Santo Antão pelos padres mestres que ali leccionaram a Aula da Esfera”, bem como às obras por eles produzidas. Interessavam-nos, sobretudo, as que, maioritariamente, incluíam os temas da Matemática, da Astronomia e da Cosmologia, pois era aí que se tornavam mais evidentes os sinais dessa polémica em torno dos “Sistemas do Mundo”, que abalou as convicções e as consciências dos homens de saber do século XVII, fossem eles religiosos ou leigos, e que esteve na base da construção da “Ciência Moderna”. Por razões que explicaremos noutro lugar, só agora estamos em vias der finalizar esse projecto. Explicada a principal razão que esteve na base da escolha do tema geral desta dissertação que agora apresentamos – A Companhia de Jesus e o Saber Astronómico em Portugal no Século XVII – resta-nos ainda responder a uma interrogação que certamente se colocará. – Porquê a escolha das Teorias Cometárias, como subtítulo da mesma dissertação? – Porque os cometas, criaturas que, só a partir do século XVII tiveram “direito de admissão” no conjunto como corpos celestes, funcionaram como verdadeiros detonadores da “explosão intelectual” que fez ruir o Cosmos Medival. Com efeito, foi em grande parte, graças à observação e ao estudo das suas trajectórias que a Moderna Cosmologia baseada na centralidade do Sol no Sistema Solar, ganhou espaço e argumentos visíveis para se afirmar. Tarefa na qual os padres mestres da Companhia de Jesus estiveram especialmente envolvidos, quer através da manipulação de instrumentos de observação que desvendaram regiões do Céu até então nunca vistas, quer por meio da utilização de instrumentos matemáticos que tornaram muito mais fiáveis os dados provenientes dessas observações e que, como procuraremos demonstrar, os levou, no mínimo, a colocarem sérias interrogações à volta de algumas “verdades absolutas” veiculadas pela tradição aristotélico-ptolomaica sobre a estrutura do Universo. A verdade é que os filósofos e matemáticos da Companhia de Jesus foram muito mais longe do que, eventualmente se poderia esperar. Isto é, não se limitaram a por duvidas. Avançaram com propostas concretas no campo da Matemática, da Astronomia e da Filosofia Natural que, mesmo sem abandonarem totalmente o campo da Escolástica e do aristotelismo, tiveram uma acção demolidora na Cosmologia Medieval. E sabendo nós que este foi um dos campos onde se jogou o destino da Ciência Moderna, não temos dúvidas em afirmar que, aqueles padres mestres, não só não foram elementos marginais à “revolução científica”, como contribuíram, com a sua formação escolástica e aristotélica na construção da Ciência Moderna, trabalhando, entre outros aspectos, na construção de um “Ensino Moderno” fundada no Humanismo e aberto para a Vida e para o Mundo.