Casa comum da humanidade. A "nossa casa comum" como uma construção jurídica baseada na ciência

As ciências demonstraram que o que está em causa não é "salvar o planeta", mas sim assegurar a manutenção de um estado favorável do Sistema Terrestre para a humanidade. Isso significa que um planeta fora desse estado favorável, não serve como nossa "Casa Comum". A realidade é que...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Magalhães, Paulo Miguel Ferreira (author)
Format: doctoralThesis
Language:por
Published: 2018
Subjects:
Online Access:http://hdl.handle.net/10362/32636
Country:Portugal
Oai:oai:run.unl.pt:10362/32636
Description
Summary:As ciências demonstraram que o que está em causa não é "salvar o planeta", mas sim assegurar a manutenção de um estado favorável do Sistema Terrestre para a humanidade. Isso significa que um planeta fora desse estado favorável, não serve como nossa "Casa Comum". A realidade é que nosso planeta não é apenas uma área geográfica com 510 milhões de km2. Se todos os planetas possuem uma área geográfica, apenas a Terra possui um sistema intrinsecamente acoplado ao planeta físico, capaz de sustentar a vida tal como a conhecemos. Do ponto de vista jurídico, o planeta possui apenas uma existência como entidade territorial. Esta visão unidimensional exclui a expressão mais notável e vital da natureza - o funcionamento do Sistema da Terrestre como o “software” que suporta a vida. O Sistema Terrestre é um bem uno, global e intangível, que não encontra amparo na rigidez do atual ordenamento jurídico. O conhecimento científico já identificou os indicadores que determinam o estado deste Sistema, os chamados “Limites do Planeta”, que definem as balizas que não devemos transgredir para manter o Sistema da Terrestre dentro do Espaço de Operação Segura para a Humanidade. Este espaço qualitativo e quantitativo de segurança é intangível e não-territorial, e constitui o nosso verdadeiro Global Common existente no interior e além de todas as fronteiras. Do seu não reconhecimento pelo Direito Internacional, resulta a sua invisibilidade no seio da comunidade das nações e dos povos. A sua inexistência jurídica autoriza, pois, o seu uso desregulado e a consequente tragédia do nosso bem comum global, reduzido à categoria de “externalidade”. Já há muito que as ciências jurídicas reconheceram a existência de bens jurídicos intangíveis como solução para a proteção de determinados interesses ou bens que se tornaram relevantes para as sociedades humanas. O património cultural imaterial da UNESCO, o direito de autor, ou o valor intangível das empresas (onde frequentemente o valor dos ativos intangíveis é incomparavelmente superior ao valor dos bens tangíveis) são alguns exemplos. A analogia entre estes objetos de direito intangíveis e o Sistema de Terrestre, pode ser crucial não só para representar a funcionalidade global e indivisível do Sistema Terrestre na comunidade internacional, como para dar visibilidade económica ao valor real dos serviços intangíveis realizados pelos ecossistemas na manutenção dos ciclos biogeofísicos, cujo valor é incomparavelmente superior ao valor tangível dos ecossistemas naturais que os produzem. Uma parte significativa do desafio de “Transformar o Mundo” passa pela possibilidade de tornarmos o trabalho da biosfera visível na sociedade, nas ações humanas e nas transações económicas e financeiras. Atualmente o valor da natureza só se torna visível nas transações financeiras através da sua destruição e transformação em matérias-primas, como ocorre com a madeira das florestas. O objetivo é propor que o estado favorável do Sistema Terrestre característico do Período do Holoceno seja reconhecido Património Comum Intangível da Humanidade. O objetivo é o de promover este novo bem jurídico global como "plataforma de coordenação", onde todas as externalidades positivas e negativas possam ser agregadas e contabilizadas. Este novo objeto de governança global coexistirá com os regimes legais das soberanias estaduais: um Condomínio Planetário. O condomínio é o único modelo jurídico existente que não se limita a uma divisão dos elementos espaciais, mas reconhece igualmente a existência de elementos não- espaciais funcionais (ex: eletricidade, água) e que por isso é capaz de assegurar uma governação multi-level. Se utilizarmos diferentes de tipos de divisão jurídica (funcional e espacial) é possível a coexistência pacífica de dois regimes legais sobrepostos, mas articulados, no interior do mesmo espaço físico. Com a devida adaptação de escala a teoria que resulta desta solução poderia ter profundas implicações na organização jurídica das sociedades humanas nos dois horizontes que partilham - a Casa Comum da Humanidade: por um lado as jurisdições dos Estados (elementos territoriais) sobre o qual é possível aplicar convenções jurídicas de divisão, e por outro, de forma acoplada e sobreposta, a salvaguarda do Sistema Terrestre indivisível (elementos não-territoriais). O reconhecimento deste bem intangível que nos une a todos numa escala global é uma condição estrutural para tornar visíveis os fatores vitais que suportam a vida, e iniciar um processo em que a manutenção permanente da Casa Comum não constitui um prejuízo para quem realiza benefícios comuns. Esta é uma oportunidade para transformar as pessoas e nações em sujeitos de uma humanidade concreta e realizar a transformação civilizacional da passagem de uma comunidade de exploradores do Sistema Terrestre, para uma comunidade de curadores e gestores do uso da nossa Casa Comum.