Resumo: | Existe na imagem um código simbólico que se vê, ouve e sente. Foi nesta condição que assentou o poder da imaginária barroca durante a Idade Moderna, um tempo profundamente marcado pelo afecto aos modelos de santidade apresentados pela Igreja Católica. Trento incumbiu aos bispos de toda a Cristandade a tarefa de revelar pelo modelo a verdade cristã aos olhos dos crentes. O veículo eleito para transmissão desta mensagem foi a imagem, não apenas pela sua eficácia enquanto linguagem mas principalmente porque era facilmente “transfigurada” para moldar não apenas o intelecto, mas principalmente os dois estratos perceptivos comuns a toda a Humanidade – a memória e a emoção. Portugal, enquanto país militantemente católico, teve nos seus bispos pós-restauracionistas o reflexo dos arquétipos tridentinos, destacando-se a conduta borromiana que se expressou nos vários quadrantes da vida social, da qual a vivência religiosa era parte inalienável. A diocese da Guarda contou, após 1668, com a presença de prelados que alteraram a cultura visual de milhares de fiéis e, por conseguinte, uma realidade em que o sentimento devocional era directamente proporcional à ignorância doutrinária. Promovendo uma imaginária que imiscuía as intenções catequéticas com as devoções locais, e dando particular enfoque à pintura, os prelados egitanienses inculcaram-lhe uma nova dimensão afectiva, elevando a imagem funcional a um estado emocional, muito mais eficaz e efectivo. A compreensão, neste microcosmos, da linguagem pictórica barroca como a chave que abriu o âmago do indivíduo à fé, pelo entendimento empírico dos mecanismos perceptivos subjacentes à apreensão das suas pararepresentações, é revelar o segredo onde assentou o sucesso enquanto processo comunicacional; perceber tal fenómeno na actualidade é mostrar que a mensagem simbólica, modelo de e para as massas, foi reflexo de uma realidade mental projectada e sentida.
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