Summary: | RESUMO: Os epitélios formam uma barreira que protege o nosso corpo do ambiente externo. Uma lesão constitui um desafio a esta função de barreira e deve ser resolvida de forma eficiente para manter a integridade e função dos epitélios. A cicatrização de feridas varia no grau de complexidade depedendo do tipo de epitélio, mas envolve uma série de respostas conservadas. A ferida promove a libertação de moléculas que servem como sinais para o tecido circundante coordenar uma cascata de eventos, que inclui uma resposta imunitária e alterações coordenadas no citoesqueleto e adesões celulares, de forma a fechar a ferida e restaurar a integridade epitelial. Compreender os mecanismos moleculares envolvidos nestes diferentes passos é extremamente relevante do ponto de vista biológico e biomédico. Os tecidos embrionários têm uma capacidade notável de resolver lesões, fechando as feridas de forma rápida e sem deixar cicatriz. O conhecimento adquirido através destes modelos poderá ser útil para melhorar as terapêuticas atuais para complicações inerentes à cicatrização de feridas em humanos, como é o caso das feridas crónicas. A cicatrização de feridas no estádio embrionário envolve a formação de um cabo contrátil de actina e miosina na margem da ferida que coordena o movimento coletivo do tecido de forma a aproximar os limites da ferida e fechar a brecha. Este processo acontece em paralelo com migração celular e rearranjos na forma e posição das células, de forma a fechar a ferida sem o envolvimento de proliferação celular. As mitocôndrias são organelos cruciais para a sobrevivência das células. São organelos conhecidos principalmente pela sua capacidade de produção de energia, mas desempenham outras funções críticas nas células, tais como a regulação do cálcio e do estado redox, e da morte celular. As mitocôndrias são organelos dinâmicos, com a capacidade de mudar a sua forma, número e localização como forma de adaptação às necessidades celulares. Estes processos são denominados de dinâmica mitocondrial e possuem um papel importante no controlo das funções mitocondriais. A dinâmica mitocondrial inclui eventos de fusão e fissão que modulam a morfologia das mitocôndrias, processos de biogénese e mitofagia que regulam o número de mitocôndrias e o seu controlo de qualidade, e mecanismos de tráfego mitocondrial que controlam a localização subcelular das mitocôndrias em resposta às necessidades da célula. A disfunção na maquinaria molecular que controla a dinâmica mitocondrial está associada a várias patologias humanas, tais como cancro e doenças neurodegenerativas e metabólicas. Contudo, o papel das mitocôndrias e dinâmica mitocondrial na reparação de tecidos in vivo não foi até agora investigado. Neste trabalho tirámos partido de marcadores fluorescentes geneticamente codificados, imagiologia de alta resolução e técnicas de ablação avançadas para compreender a contribuição da dinâmica mitocondrial na reparação epitelial in vivo, usando a epiderme do embrião da mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster) como modelo. Este estudo permitiu-nos identificar proteínas envolvidas na fissão, fusão e tráfego mitocondrial como novos reguladores da cicatrização de feridas. A observação do processo de fecho de ferida in vivo e em tempo real revelou que as proteínas Drp1 e Opa1, envolvidas na fissão e fusão mitocondrial, respetivamente, regulam o cálcio e o citoesqueleto de actina durante a cicatrização da ferida. Adicionalmente, descobrimos que a ferida promove alterações na morfologia mitocondrial que sugerem uma indução de fissão mitocondrial. A perda de função de Drp1 conduz a defeitos na dinâmica do cálcio citosólico e mitocondrial em resposta à ferida. Os iões de cálcio são importantes segundos-mensageiros em várias vias de sinalização e são reguladores fundamentais no processo de cicatrização de feridas. A ferida induz um aumento rápido e dramático no aumento dos níveis intracelulares de cálcio, que despoleta a cascata de eventos que culmina na formação do cabo de actina e miosina e consequente fecho da ferida. Neste trabalho mostrámos que, para além do aumento de cálcio no citosol, a ferida também induz um aumento no cálcio mitocondrial. Sabe-se que o influxo de cálcio para o interior das mitocôndrias é um mecanismo essencial para a regulação dos níveis de cálcio no citosol. Dado a variedade de funções desempenhadas pelo cálcio, a sua concentração celular deve ser regulada no tempo e no espaço. Com base nos nossos resultados, propomos que Drp1 regula a capacidade de captação de cálcio pelas mitocôndrias, o que por sua vez controla os níveis de cálcio no citosol. Em concordância com o papel descrito do cálcio na regulação do citoesqueleto de actina durante a cicatrização de feridas, mostrámos ainda que mutantes para Drp1 possuem defeitos significativos na acumulação de actina nas margens da ferida e na dinâmica de fecho da ferida. Em suma, os nossos resultados levam-nos a propor um modelo onde a fissão mitocondrial é induzida pela ferida, levando a um aumento controlado dos níveis intracelulares de cálcio, o que então regula as alterações no citoesqueleto necessárias para promover a cicatrização de forma eficiente. Este trabalho coloca a proteína Drp1 e a fissão mitocondrial no topo da cascata de sinalização que leva aos principais eventos na cicatrização de feridas. Dado que o cálcio e a actina são elementos cruciais na resposta à ferida em diferentes tipos de tecidos epiteliais, o nosso trabalho tem implicações relevantes na compreensão da reparação de tecidos noutros sistemas. Por fim, os nossos resultados aumentam o conhecimento da biologia mitocondrial e da sua relevância para diferentes processos celulares.
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