Summary: | Este trabalho pretende contribuir para o conhecimento geral da resposta imunológica do mosquito ao parasita da malária, uma vez que a elucidação das interacções entre vector e parasita poderão facilitar o desenvolvimento de medidas eficientes para bloquear a transmissão. As experiências realizadas neste trabalho incluíram o uso de Drosophila melanogaster como modelo de estudo das respostas imunológicas do mosquito e a avaliação do impacto da presença de esporozoítos de Plasmodium na hemolinfa do mosquito através da determinação de alterações no número de hemócitos, activação da reacção de melanização e do padrão de expressão de proteínas na hemolinfa do mosquito. O fármaco antimalárico cloroquina promove a transmissão no mosquito e tem sido relacionado com a expressão diferencial de péptidos antimicrobianos no mosquito. Para avaliar o efeito da cloroquina na sua produção usámos o modelo Drosophila, uma vez que a expressão e síntese de péptidos antimicrobianos na mosca está bem caracterizada, assim como as vias de sinalização da resposta imunológica. Os resultados deste trabalho não conseguiram provar algum efeito do fármaco na expressão e/ou síntese de péptidos antimicrobianos de Drosophila. O tratamento com cloroquina in vivo não afectou as vias de sinalização Toll e Imd, avaliado pela expressão de drosomicina e diptericina em moscas infectadas. Experiências in vitro em que se utilizaram linhas celulares derivadas de hemócitos de moscas produziram os mesmos resultados para a síntese de Drosomicina e Atacina. Experiências de sobrevivência de moscas infectadas e tratadas com cloroquina também não evidenciaram qualquer efeito do fármaco na resposta imunitária de Drosophila. Como este fármaco antimalárico tem um efeito conhecido na resposta imune do mosquito, propomos que a cloroquina tenha uma acção sobre moléculas específicas dos mosquito ou sobre diferentes vias de activação da sinalização que possam estar presentes apenas no mosquito. Por outro lado, a informação conhecida acerca do efeito da cloroquina na imunidade foi obtida após tratamento de humanos, ratinhos ou linhas celulares de mamíferos, implicando a metabolização do fármaco. Como tal, não é claro se o efeito observado resulta da acção do própria fármaco ou de um metabolito específico. Neste trabalho pretendeu-se também determinar as respostas do mosquito aos esporozoítos de Plasmodium na hemolinfa, uma vez que nesta fase da infecção no mosquito o parasita sofre uma grande redução no seu número. No hemocélio domosquito podem ser activadas respostas celulares e humorais. Durante o seu desenvolvimento no oocysto, os esporozoítos são cobertos por uma camada de proteína circumsporozoítica, que constitui o seu maior antigénio de superfície. Quando o oocisto rompe e os esporozoítos são libertados, esta proteína pode ser reconhecida pelas moléculas de reconhecimento presentes na hemolinfa levando à activação de respostas imunes. A activação de respostas imunitárias celulares contra os esporozoítos foi testada com base na determinação de variação do número de hemócitos quando estimulados com a proteína circumsporozoítica de P. falciparum. Apenas uma das doses (5ng) de proteína utilizadas para estimular linhas celulares de hemóctios causou uma redução significativa no números de hemócitos. Isto pode ser um reflexo de uma cinética de divisão celular mais lenta ou de destruição celular, apoptose, que poderia ser despoletada pela fagocitose de parasitas, por exemplo. Não foi possível obter uma resposta correlacionada com a dose usada para estimulação. No entanto, os hemócitos do mosquito parecem reconhcer a proteína do parasita e responder à sua presença. A activação da reacção de melanização durante a invasão da hemolinfa por esporozoítos foi testada, através da determinação da activação da enzima profenoloxidase e da actividade da fenoloxidase. Verificou-se que a actividade enzimática da fenoloxidase varia com o tempo em mosquitos submetidos a uma refeição sanguínea não infectante. A infecção por P. berhgei não pareceu impor variações na actividade da fenoloxidase. Diferenças subtis foram observadas aos dias 9, 12 e 15 pós-infecção, sendo a actividade enzimática mais elevada em mosquitos infectados. Os esporozoítos foram detectados na hemolinfa de mosquitos a partir do dia 9 pós-infecção, indicando que o parasita pode induzir um aumento subtil na activação da melanização. A actividade da fenoloxidase parece ser mantida constitutivamente num nível baixo, mesmo em mosquitos não infectados, o que pode explicar que apenas pequenas diferenças sejam observadas em mosquitos infectados. Injecções da proteína circumsporozoítica de P. falciparum em mosquitos não revelaram indução da actividade da enzima fenoloxidase. Apesar de não ter sido possível demonstrar conclusivamente a melanização de esporozoítos na hemolinfa, experiências de inibição da fenoloxidase mostraram que a actividade desta enzima é necessária para controlar o número de esporozoítos na hemolinfa e nas glândulas salivares. A hemolinfa é extremamente rica em proteínas, e conhecida por albergar a maior parte das moléculas do sistema imunológico necessárias ao reconhecimento, sinalização e à resposta efectora. Como tal, de modo a caracterizar o proteoma da hemolinfa durante a infecção por P. berhgei ao dia 13 pós-infecção, usámos umaabordagem que incluiu electroforese bidimensional e espectrometria de massa MALDITOF, visando identificar proteínas diferencialmente reguladas em mosquitos infectados. As proteínas com níveis alterados na hemolinfa de mosquitos infectados poderão estar envolvidas em processos fisiológicos como metabolismo de ácidos gordos, glicólise e transporte de iões. Estes resultados indicam que o parasita impõe alterações no metabolismo do mosquito, quer directamente quer levando o mosquito a alterar o seu próprio metabolismo como forma de conter a infecção. De facto, não há evidência se as alterações observadas são danosas ou necessárias para o desenvolvimento do parasita. No entanto, os nossos resultados sugerem que mecanismos fisiológicos do mosquito podem ter um papel na resposta imune. Um dado interessante obtido neste trabalho foi a inexistência de correlação entre a regulação a nível proteico e a nível do RNA na emolinfa. Isto pode derivar de uma janela de tempo diferente entre expressão génica e síntese proteica, uma vez que as amostras foram recolhidas ao mesmo tempo, ou pode reflectir um fonte diferente de RNA e proteína. O RNA amplificado para avaliar a expressão génica era originário dos hemócitos presentes na hemolinfa, enquanto que as proteínas podem ter sido produzidas quer pelos hemócitos quer pelo corpo gordo, que sintetiza a maior parte das moléculas imunes que são secretadas para a hemolinfa. No entanto, é importante tem em atenção que a informação resultante da análise de expressão génica ter de ser avaliada cuidadosamente, pois pode não ter uma regulação correspondente ao nível da proteína. A biosíntese de eicosanóides teve dois impactos distintos e opostos no desenvolvimento do parasita, promovendo e bloqueando a transmissão. Os eicosanóides parecem ser importantes para o desenvolvimento do parasita numa fase da infecção em que os esporozoítos se desenvolvem nos oocistos, enquanto que numa fasemais tardia, estas moléculas parecem ser importantes para controlar o número de parasitas na hemolinfa. Os nossos resultados sugerem que o parasita possa imunosuprimir o mosquito. A resposta do mosquito ao Plasmodium parece ser muito complexa, envolvendo acções de ambos os organismos. Para responderà invasão da hemolinfa pelos esporozoítos, o mosquito parece depender de diferentes mecanismos, como a fagocitose e a melanização. Para além destes, moléculas envolvidas em processos fisiológicos do mosquito são também afectadas pela infecção. Os nossos resultados sugerem que a resposta imunológica do mosquito possa envolver mecanismos para além daqueles que são tradicionalmente relacionados com a imunidade, como a biosíntese de eicosanóides. Verificámos também que pode não existir correlação entre a expressão génica e a síntese de proteínas, e como tal, a resposta imune deveria ser analisada em primeiro lugar por uma abordagem proteómica.
|