Passageiros perigosos: histórias de quasi-objectos

Este texto sugere que os crânios humanos podem partilhar da condição activa de “sujeitos”, ou melhor, de quasi-sujeitos, da história em que se insere a sua mobilização como objectos antropológicos. Inspirando-me na teoria do quasi-objecto avançada proposta pelo filósofo Michel Serres, pretendo suger...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Roque, Ricardo (author)
Format: bookPart
Language:por
Published: 2016
Subjects:
Online Access:http://hdl.handle.net/10451/23528
Country:Portugal
Oai:oai:repositorio.ul.pt:10451/23528
Description
Summary:Este texto sugere que os crânios humanos podem partilhar da condição activa de “sujeitos”, ou melhor, de quasi-sujeitos, da história em que se insere a sua mobilização como objectos antropológicos. Inspirando-me na teoria do quasi-objecto avançada proposta pelo filósofo Michel Serres, pretendo sugerir que a circulação de colecções científicas de crânios humanos corresponde à circulação de um tipo singular de quasi-objectos, capazes, parafraseando Serres, de “modificar o estado do colectivo que os recebe”, não só “transformando o sistema colectivo enquanto tal, mas também introduzindo variações na sua condição.” É costume entender a colecção científica de restos humanos em situação colonial como uma acção que entra em ruptura com as ordens culturais nativas, não europeias, de tratamento dos mortos. Não obstante isto ser verdade em muitas ocasiões, gostaria aqui de chamar a atenção para o facto de estas mesmas actividades de colecta se poderem apresentar também como ameaças a tradições culturais europeias associadas ao cuidado dos mortos. Com base em duas vinhetas historico-etnográficas, procurarei salientar a agência potencialmente transgressora de crânios humanos como quasi-objectos em mobilidade. Nas viagens para os museus, em circunstâncias específicas, a condição simbólica intersticial das ossadas podia libertar-se em múltiplos efeitos de ruptura e perigo; nestas alturas, os coleccionadores e os cientistas viam-se na circunstância de ter de manobrar, nas suas práticas, a potência perigosa das ossadas como quasi-objecto em mobilidade.